Preconceito racial explicaria desigualdade persistente entre trabalhadores com ensino superior

 

 

A diferença salarial entre brancos e negros, de 45%, de acordo com a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2019, não pode ser atribuída apenas à falta de oportunidade de formação para pessoas negras. Segundo cálculo do Instituto Locomotiva, a diferença salarial ainda é significativa, de 31%, quando comparados os salários de brancos e negros com ensino superior, isoladas todas as demais variáveis. Sobra apenas a cor da pele. 

 

“Trata-se de uma desigualdade persistente que só pode ser explicada pelo racismo estrutural. Por um lado, ele se expressa no preconceito racial. Por outro, no maior capital social dos brancos: o famoso ‘quem indica’ de um branco é outro branco que está em um cargo alto”, afirma Renato Meirelles, presidente do Locomotiva.

 

Uma pesquisa realizada pelo instituto com 1.170 pessoas em 43 cidades demonstrou que a percepção dos brasileiros está afinada com esta realidade. De cada dez respondentes, cinco (55%) disseram que pessoas brancas têm mais oportunidades de estudo. E 65% afirmaram que brancos têm mais chances no mercado de trabalho. Entre os não negros, 63% reconheceram ter mais oportunidades.

 

“Essa percepção se materializa na prática”, afirma Daniel Teixeira, do Ceert (Centro de Estudos de Trabalho e Desigualdades), que já realizou censos entre funcionários de cerca de 40 empresas, sem encontrar nada perto de equidade racial. 

 

Segundo dados do IBGE, 56% dos brasileiros se autodeclaram pretos ou pardos.

 

“A regra no Brasil é enxergar a questão racial como o patinho feio da pauta da diversidade. Algo que pode ser deixado para depois”, diz ele. 

 

Por conta disso, afirma Teixeira, os programas de diversidade das empresas passaram anos focando em pessoas com deficiência, por conta de cotas estabelecidas pela lei 8.213/91, e nas mulheres, “que já fazem parte de alguns conselhos onde ainda não há pessoas negras”.

 

De fato, mesmo a Natura, a única empresa brasileira a figurar entre as cem mais diversas e inclusivas do mundo, segundo o índice de Diversidade & Inclusão (D&I) da Refinitiv, do grupo Reuters, tem apenas 1% de pessoas negras em cargos de gestão, de acordo com seu relatório anual de 2018. Procurada, a Natura afirmou que, neste ano, o percentual subiu para 6% nos cargos gerenciais e saiu de zero para 2% na diretoria.

 

A empresa de cosméticos ocupa a quarta posição do índice internacional em 2019. 

 

Em geral, esse tipo de dado não é tratado com tanta transparência. Para a pesquisadora Cida Bento, coordenadora e fundadora do Ceert e colunista da Folha, um misto de cautela e vergonha impede as empresas de divulgarem essas informações.

 

Segundo ela, o percentual de colaboradores negros nunca é proporcional a sua representatividade na população brasileira e, em geral, está concentrado em cargos mais baixos. Para Bento, políticas de equidade racial não devem se limitar a programas de estágio ou trainee.

 

“Este tipo de profissional costuma ficar de um a dois anos na empresa e, se contratado, levará de 10 a 15 anos para desenvolver uma carreira. Faltam referências para o jovem negro, que não se vê representado no alto comando das organizações.”

 

 

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Censo realizado em escritórios de advocacia do país apontou que menos de 1% dos advogados júnior, pleno, sênior ou sócio eram negros. Entre os estagiários, eram 9,3%.

 

No Facebook Brasil há ao menos um diretor negro: o engenheiro industrial Denis Caldeira de Almeida, diretor de pequenos negócios para a América Latina. Nascido no bairro São Miguel Paulista, no extremo da zona leste paulistana, ele coordena o grupo de Diversidade do Facebook na América Latina e orienta jovens profissionais negros. 

 

Com mestrado na França, cursos na Universidade da Pensilvânia (EUA) e na USP, ele reconhece que sua trajetória é incomum para um jovem negro da periferia.

 

“Tive muitas portas fechadas. Cheguei a pedir demissão três vezes [de uma única empresa] para ter meu trabalho reconhecido. Há poucas oportunidades para negros. Tento treinar aqueles para quem faço mentoria a identificar boas oportunidades”, afirma.

 

O Facebook Brasil não diz quantos negros trabalham na companhia. Os dados disponíveis são globais e mostram 3,8% de colaboradores negros em 2018, e 3,5% em 2017. Em cargos de liderança, a taxa passou de de 2,4% para 3,1%.

 

A falta de oportunidades leva muitos negros ao empreendedorismo de necessidade. Cálculos do Locomotiva a partir da Pnad apontam que empreendedores negros são maioria no país (52%).

 

Enquanto 25% dos brasileiros desejam abrir o próprio negócio, entre pessoas negras o índice é de 33%.

 

“Esse empreendedorismo não pode ser compulsório”, afirma Daniel Teixeira, do Ceert. “Para muitas pessoas negras, o empreendedorismo é o lugar da falta de empregabilidade.”

 

Para Adriana Barbosa, presidente da PretaHub e da Feira Preta, um dos maiores eventos de cultura negra do país, que reúne mulheres negras empreendedoras, é “a estrutura de exclusão que faz com que pessoas negras empreendam numa lógica da escassez”.

 

 

“O contexto de discriminação racial e a falta de acesso a oportunidades faz com que essas pessoas estejam à margem do mercado de trabalho formal e, portanto, sejam a maioria entre os microempreendedores individuais”, diz.

 

Mas ela vê esse contexto mudando. “Cada vez mais o jovem negro tem desejo de empreender por oportunidade, por vocação e por engajamento, desenvolvendo produtos específicos para as demandas da população negra, excluída do mercado de consumo mais amplo.”

 

Segundo Meirelles, o consumo da população negra movimenta R$ 1,8 trilhão ao ano. A desigualdade salarial com base em raça é o que impede o número de ser ainda maior, diz. 

 

“As habilidades que estão na ponta dos processos seletivos são aprendidas no dia a dia de quem vive na periferia: lidar com a diversidade, ter empatia, ser criativo, se virar em situações de crise”, avalia. “Quanto mais igual a equipe, menos espaço para o contraditório e o diferente, logo, menos conectada a empresa fica com seus potenciais consumidores.”

 

Estudo da consultoria McKinsey encontrou uma correlação positiva entre diversidade e performance financeira. De acordo com a pesquisa “Delivering through diversity” (entrega através da diversidade, em tradução livre do inglês), as empresas com maior diversidade étnica tinham 33% mais chances de ter uma performance financeira acima da média de seu setor.

 

Fonte: Folha de SP