Após acionar PGR, PSol vai propor ação popular para afastar Sérgio Camargo, jornalista que nega a existência do racismo no Brasil.

A escolha política de nomeação de Sérgio Nascimento de Camargo para presidir a Fundação Palmares se tornou uma disputa judicial. Nesta segunda-feira (2), o PSol vai propor uma ação popular na Justiça Federal do Distrito Federal para pedir o afastamento do jornalista do comando da instituição criada para  promover e preservar a cultura afro-brasileira. Na última quarta-feira (27), o partido também apresentou uma representação da PGR (Procuradoria-Geral da República) com esse objetivo.

Setores da sociedade também têm se mobilizado. Nesta sexta-feira (29), militantes do Movimento Negro entregaram uma representação a procurador-geral Augusto Aras em que pedem a saída de Camargo. O jornalista se define como um “negro de direita contrário ao vitimismo e ao politicamente correto”, nega a existência do racismono Brasil e considera cotas raciais “um absurdo”.

O novo presidente da Fundação Palmares teve aval do secretário de Cultura, Roberto Alvim. A subpasta foi transferida para o Ministério do Turismo neste mês. O dramaturgo ganhou projeção após protagonizar um embate público com a atriz Fernanda Montenegro ao dizer que sentiu desprezo pela atriz e acusá-la de mentirosa após ela ter posado para um ensaio da revista Quatro Cinco Um. Na publicação, ela aparecia vestida de bruxa em uma fogueira de livros.

Ao ser questionado nesta sexta, o presidente Jair Bolsonaro negou que irá interferir na escolha.  “A cultura nossa tem que estar de acordo com a maioria da população, não de acordo com a minoria, e ponto final! É ele (Roberto Alvim) que decide, não vou adentrar em detalhe”, disse. “Olha só: o secretário é um tal de Roberto Alvim. Dei carta branca a ele”, acrescentou.

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“A cultura nossa tem que estar de acordo com a maioria da população, não de acordo com a minoria, e ponto final! É ele (Roberto Alvim) que decide, não vou adentrar em detalhe”, disse Jair Bolsonaro.

Fundação Cultural Palmares

Criada em 1988, a Fundação Cultural Palmares é resultado da luta do Movimento Negro brasileiro por políticas de promoção da igualdade racial e tem como um dos objetivos valorizar as manifestações de matriz africana.

Na representação enviada à PGR, o PSol sustenta que a nomeação de Camargo para presidir a instituição “mostra-se absolutamente antijurídica e contrária ao interesse público, uma vez que sua trajetória, historicamente, é radicalmente contrária aos interesses que a Fundação busca defender”. 

O documento também aponta que essa “tal incompatibilidade torna evidente que a referida nomeação tem como objetivo frustrar, não apenas a persecução dos objetivos legalmente atribuídos à Fundação, como o cumprimento do dever de enfrentamento do racismo institucional e estrutural e de promoção da igualdade racial expressamente abrigados na Constituição, o que configura claro desvio de finalidade”.

No entendimento do partido, além de violar preceitos da Constituição, como a promoção da igualdade, o ato contraria a legislação brasileira. É citada a Lei de Improbidade Administrativa ( Lei nº 8.429/1992), que pune “ato que atente contra os princípios da administração pública da moralidade, da legalidade e da lealdade às instituições, e notadamente a prática de ato visando a fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência”. A pena nesse caso é de perda da função pública, suspensão dos direitos políticos e multa civil.

A Lei nº 4.717/65, por sua vez, estabelece que “são nulos os atos que atentem contra o patrimônio histórico nacional, em especial aqueles praticados em claro desvio de finalidade, assim concebido o ato praticado objetivando fim diverso daquele previsto na regra de competência”.

Na representação, o PSol pede que a PGR instaure urgentemente procedimento para declarar a nulidade da escolha de Camargo, além da apuração da responsabilidade do ministro e da Casa Civil substituto Fernando Wandscheer de Moura alves, ao efetivar a nomeação.

Os próximos passos estão nas mãos do procurador-geral Augusto Aras, escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro e aprovado para o cargo pelo Senado em setembro. À GloboNews, integrantes da cúpula da PGR afirmaram que entendem que não há elementos jurídicos para tirar Camargo do cargo. 

STF arquivou acusação de racismo de Bolsonaro

Antes de assumir o Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro já enfrentou acusações de racismo. Em setembro de 2018,  o STF (Supremo Tribunal Federal) rejeitou denúncia apresentada contra ele pela então procuradora-geral, Raquel Dodge, com base em frases ditas pelo então parlamentar em palestra que fez no ano passado no Clube Hebraica do Rio de janeiro.

Na ocasião, em 2017, Bolsonaro deu declarações como “eu fui num quilombo, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Eu acho que nem para procriador ele serve mais”.

Diante desse cenário, a ação na Justiça Federal é uma alternativa para conseguir o afastamento de Camargo.

A escolha do jornalista provocou reação em diversos setores. Militantes do Movimento Negro fizeram um protesto na Fundação Palmares, em Brasília, nesta sexta. Eles deixaram o local sem serem recebidos pelo presidente, que não estava no local, de acordo com funcionários.

Em nota, a Secretaria Especial da Cultura condenou o que chamou de “atitude violenta e antidemocrática” dos manifestantes e reiterou “total apoio ao presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Nascimento de Camargo”, além de dizer que “mantém a firme disposição de lutar contra o aprisionamento mental e ideológico que submete, até hoje, o povo negro à condição de eternos escravos”.

A nota foi compartilhada pelo secretário Roberto Alvim.

Sérgio Camargo é filho de Oswaldo Camargo, militante e especialista em literatura negra, que já foi homenageado com a medalha Zumbi dos Palmares, da câmara de Salvador (BA).

Nas redes sociais, o novo presidente da Fundação defendeu a extinção do Dia da Consciência Negra porque o feriado causaria “incalculáveis perdas à economia do País” ao homenagear quem ele chamou de um “um falso herói dos negros”, em referência a Zumbi dos Palmares.

Camargo também já atacou diversas personalidades negras, como os atores Lázaro Ramos e Taís Araújo; o sambista Martinho da Vila; os cantores Gilberto Gil, Mano Brown, Emicida e Preta Gil; Angela Davis, uma das principais expoentes do feminismo negro; e a vereadora Marielle Franco, executada em março de 2018.

Fonte: https://www.huffpostbrasil.com/