Entrega de lajes corporativas, se ocorrer, tende a reduzir renda com aluguel
O custo de manter um funcionário em um escritório de alto padrão de São Paulo pode chegar a R$ 2.000 por mês. Com essa conta em mente e cinco meses bem-sucedidos de home office depois, empresas começam a planejar trabalho remoto permanente e falam em devolver áreas locadas.
O que parece ser apenas uma decisão de trabalho poderá ter reflexo também sobre investimentos: fundos imobiliários investem nessas lajes corporativas.
O caso mais emblemático talvez seja o da XP, que já anunciou home office permanente e a construção de uma nova sede em São Carlos. Hoje a empresa ocupa seis andares do SP Corporate Towers, na avenida Juscelino Kubitschek, a área expandida do centro financeiro de São Paulo.
A corretora não é a única entre as instituições financeiras que estão nessa aparente contradição entre vender fundos imobiliários e fazer um movimento contra que pode jogar contra o investimento: outros dois exemplos são o Itaú, que afirmou ter um plano de devolver prédios alugados e concentrar o trabalho presencial em áreas próprias, enquanto o Santander tenta reduzir o valor dos aluguéis que paga em parte de suas agências, criando uma briga com o gestor do fundo imobiliário proprietário dos imóveis.
Especialistas do setor são bastante cautelosos sobre o impacto dessas medidas no longo prazo e dizem que o reflexo muda de acordo com o perfil do fundo.
Escritórios têm destino mais incerto, galpões logísticos têm futuro promissor com a expansão do ecommerce e shoppings poderiam se recuperar no longo prazo, já que são bem localizados.
“Todo mundo está falando que vai entregar escritório, devolver metade do andar. Não sei se vai acontecer, porque é uma mudança cultural”, afirma o professor de finanças do Insper Ricardo Rocha.
Um texto da revista The Economist publicado no final de abril lembrou uma carta escrita em 1822 por um funcionário de um dos primeiros escritórios do mundo, que pertencia a East India Company, em Londres.
“Você não sabe como é cansativo”, escreveu Charles Lamb, de acordo com a revista. “Respirar o ar de quatro paredes fechadas, sem alívio, dia após dia, todas as horas douradas do dia entre dez e quatro”, continua o texto.
O que realmente mudou na rotina entre 1822 e 2020 é que a jornada de trabalho não é limitada a seis horas por dia —com sorte, ela será de oito horas. E não fosse a pandemia, esta reportagem teria sido escrita entre quatro paredes fechadas como as de mais de dois séculos atrás.
Por isso, Rocha é cauteloso em prever um esvaziamento das lajes corporativas.
“É precipitado falar que as lajes vão ficar vazias. Com que velocidade vai ser essa mudança?”, questiona.
O que especialistas esperam, sim, ao menos no curto prazo, é uma redução no custo do aluguel, o que pode ter impacto direto sobre o pagamento de dividendos dos fundos imobiliários.
Essa classe de ativos entrou em franca expansão no país à medida em que a taxa básica de juros caia. Ao fim de junho, flertava com o primeiro milhão de investidores pessoa física.
Um dos grandes chamarizes desse investimento foi a criação do pagamento mensal de dividendos, uma forma de emular o aluguel recebido por que compra imóvel para viver de renda.
Quando o juro era de 14% ano ano, não fazia muito sentido contar com o aluguel de cerca de 0,5% do valor do ativo por mês. Muito diferente do cenário atual, de juro a 2% ao ano (ou 0,17% ao mês).
O problema seria deixar secar esse aluguel mensal do fundo, com a vacância do imóvel, ou reduzir demais o valor do dividendo com a renegociação dos aluguéis para descontos muito agressivos.
Giancarlo Gentiluomo, especialista em fundos da XP, afirma que pouco antes da pandemia o cenário era de retomada do poder de barganha para o locador, um reflexo da escassez de imóveis de alto padrão (triplo A, no jargão do mercado) após anos de baixo índice de construção e alguns anos de retomada da economia, ainda que de maneira lenta. A sinalização era, portanto, de aumento nos dividendos.
“O cenário é nebuloso, não se tem clareza para saber por quanto tempo volta o poder de barganha para a mão do locatário”, afirma.
Mas ele aponta ainda para um viés otimista, em linha com a XP, que é uma grande distribuidora de fundos imobiliários.
“A despeito de algumas empresas serem mais agressivas [para baixar aluguel], pode começar movimento de busca por imóveis com padrão de excelência e localização privilegiada”, afirma.
Alberto Ajzental, coordenador do curso de Desenvolvimento de Negócios Imobiliários da FGV, tem uma percepção semelhante. É dele a estimativa de custo de R$ 2.000 por funcionário.
“Eu já vivi Faria Lima a R$ 140, R$ 150 o metro quadrado [do aluguel]. Já vivi R$ 240 e já vi R$ 150 virar R$ 80. Num momento como esse, tem gente que, de forma aspiracional, vai alugar na Faria Lima. Tem uma movimentação, uma migração de mercado, quando os valores caem”, afirma.
Fonte: Folha de SP