GT é pressionado a finalizar proposta para Lula; plataformas e trabalhadores divergem sobre alíquota de previdência

 

A mesa tripartite criada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em 1º de maio, para definir um marco legal para atividades laborais exercidas por meio de plataformas digitais ultrapassou quatro meses sem avanços. O secretário de Economia Solidária, Gilberto Carvalho, empenhou-se na tentativa de encontrar consensos entre representantes de entregadores e motoristas de aplicativos e porta-vozes das empresas. Mas não houve acordo até o momento.  

O ministério pretende terminar a formulação em termos concretos dos pontos da regulamentação até o fim desta semana a pedido do presidente Lula (PT), que, segundo interlocutores, tem a intenção de tratar da regulação do trabalho por aplicativo durante a viagem aos Estados Unidos prevista para o próximo dia 18. 

O atendimento à demanda do presidente é o pano de fundo da última reunião coletiva do grupo de trabalho nesta terça-feira (12). Mas antes, Carvalho deve tentar convencer as plataformas a flexibilizar o principal item da pauta regulatória: os “ganhos mínimos”, que engloba o pagamento pelo trabalho e custos operacionais com motocicletas e veículos. 

Para ficarmos apenas no exemplo dos entregadores de moto, sindicatos e centrais da categoria pediram R$ 35 por hora logada nas plataformas. Os aplicativos ofereceram de R$ 11 a R$ 12 por hora efetivamente em trabalho, ou seja, durante a entrega. As empresas avaliam a possibilidade de pagar um adicional de 20% pelo tempo ocioso dos trabalhadores nas plataformas, enquanto esperam para obter uma entrega. 

As lideranças sindicais rejeitam a proposta e acenam com a possibilidade de levar algumas dezenas de motociclistas para a frente do ministério nesta terça-feira, como forma de pressão na última reunião do GT. Prometem também uma paralisação nacional no dia 16, caso não sejam atendidos. 

O JOTA apurou que as plataformas devem elevar as propostas, mas dificilmente vão se aproximar do pretendido pelos sindicatos. Caberá ao secretário Gilberto Carvalho arbitrar para reduzir a tensão e buscar um valor palatável para ambos os lados. 

A contribuição previdenciária é o segundo principal item em discussão. Aventou-se a ideia de adotar alíquota entre 11% e 20%. Os movimentos sindicais pediram ao ministério 7,5% como teto para os trabalhadores. As empresas devem propor um modelo diferenciado a Carvalho, durante reunião bilateral prevista para esta segunda-feira (11).  

As empresas vão sugerir uma alíquota única de 11%, dividida entre plataformas e trabalhadores em proporção de 50% para cada lado. Se o governo topar, cada parte recolhe 5,5% ao INSS. Em troca, as empresas fariam a arrecadação para diminuir o risco de inadimplência da parte dos trabalhadores. 

Mas há um porém: a alíquota depende da definição dos ganhos mínimos para o governo estimar a arrecadação. Não há como definir o segundo item sem o primeiro. As empresas sabem disso e vão tentar via previdência um compromisso do governo para sua proposta de contribuição ao INSS com o menor impacto de custos. Há outro estratagema das plataformas por trás dos 11%. Esta é a alíquota de prestadores individuais como pessoas físicas de serviços para pessoas jurídicas. Caso adote o percentual, o governo acabaria, nas entrelinhas, reconhecendo os trabalhadores como autônomos.  

Carvalho declarou ao JOTA que o tipo de vínculo laboral (CLT, autônomo ou MEI) não deve entrar no marco legal, pois o governo enfrenta resistência de algumas categorias contrárias ao modelo autônomo (entregadores) e à CLT (motoristas, que se veem mais como empreendedores). 

As estratégias mostram a dificuldade de se chegar a qualquer consenso concreto na mesa tripartite. Nem mesmo sobre o instrumento normativo para a regulamentação. As empresas pedem para ser via projeto de lei enviado ao Congresso Nacional, onde têm margem de manobra para mudar o texto do governo. Os sindicatos querem a publicação de um decreto presidencial, cuja aplicação tem efeito imediato. 

Segundo fontes do MTE, Lula está alheio aos detalhes das negociações. Mas avalia a possibilidade de incluir trechos da regulamentação no discurso de abertura da 78ª Assembleia Geral da ONU, no próximo dia 19, aproveitando os holofotes de seu retorno às Nações Unidas para defender “o trabalho decente”, convocando os demais países do organismo internacional a buscarem meios de estabelecer uma nova relação entre capital e trabalho, transformada pela realidade de uma economia global cada vez mais digitalizada. 

O tema pode constar também de agenda de Lula com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. O Palácio do Planalto diz que o americano convidou o brasileiro para lançar um compromisso global pelo “trabalho decente”. O Itamaraty, por ora, não confirma — é comum que este tipo de encontro seja definido e efetivamente divulgado dias antes. Seja como for, Lula e Biden se encontrarão na ONU. 

Mas ambos os eventos exigem do brasileiro mostrar como seu terceiro governo, como ex-líder sindical da velha economia, avança por um modelo regulatório do emprego da força laboral diante dos desafios da economia digital. Não por acaso, Lula deseja explorar o palco do principal organismo internacional para aparecer diante do mundo como alinhado ao desafio. 

Os impasses no GT do marco regulatório do trabalho por aplicativo, contudo, podem exigir do presidente um recuo estratégico. Não será surpresa se optar por um exercício de retórica em vez da apresentação de elementos concretos. A semana que se apresenta, após o feriadão do 7 de Setembro, será decisiva na modulação que Lula fará em seu giro pelos Estados Unidos. 

 

 Fonte: JOTA