Levantamento mostra que, antes da pandemia, percepção positiva em relação ao terceiro setor já chegava a 79%

 

 

A pandemia criou um novo cenário da filantropia no Brasil. As doações em prol do combate ao novo coronavírus fluíram em velocidade e volume jamais registrados no país, ultrapassando R$ 6 bilhões em dois meses.

 

“A resposta foi rápida diante da emergência. Fundos, movimentos, campanhas e redes de apoio foram construídos em questão de dias por doadores de todos os tamanhos”, diz Paula Fabiani, diretora-presidente do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (Idis).

 

Para efeito de comparação, o censo do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife), realizado a cada dois anos, mostra que, no ano inteiro de 2018, o total doado no Brasil foi de R$ 3,25 bilhões.

 

A corrente de solidariedade não se formou “do dia para a noite”, na avaliação de Paula. “Há um terreno que vem sendo cultivado para o desenvolvimento da cultura de doação, que, no momento em que a crise se instalou, estava pronto para frutificar”, diz.

 

É o que aponta o relatório Brasil Giving Report 2020, que monitora a cultura de doação no país. O estudo integra uma série internacional, produzida pela CAF Global Alliance, rede que trabalha na vanguarda da filantropia, e que inclui números da Austrália, Bulgária, Canadá, Índia, Rússia, África do Sul, EUA e Reino Unido.

 

Em sua terceira edição no Brasil, realizada em agosto de 2019, ainda com dados prépandemia, o relatório aponta que a percepção positiva do brasileiro em relação ao trabalho das ONGs aumentou 7%. Foram feitas mil entrevistas online, levando em conta dados demográficos, idade e gênero.

 

Conforme o estudo, 79% dos entrevistados disseram que o trabalho das organizações sociais em suas comunidades locais teve um impacto positivo acima dos 72% em 2018.

 

 

“Acreditamos que essa percepção maior do trabalho das ONGs tenha levado ao aumento da confiança, e essa confiança permitiu à população responder rapidamente diante da pandemia”, avalia a diretora do Idis.

 

Márcia Kalvon Woods, presidente da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), lembra que saúde é uma das causas mais sensíveis aos brasileiros.

 

As causas mais populares, para doações financeiras e voluntariado, são: apoio às organizações religiosas (49%), apoio às crianças ou jovens (39%) e combate à pobreza (30%). “Falta mais suporte ao idoso”, pontua Márcia.

 

Outra boa notícia do Giving Report 2020 é que a participação e o engajamento nas causas sociais estão em alta: mais de 40% dos entrevistados assinaram alguma petição, um em cada cinco tem propensão a participar de campanhas, e sete em cada dez acreditam que a empresa em que trabalham deve apoiar a comunidade em que atua.

 

Na base criada pela ABCR para mapear a filantropia na pandemia, há 443.144 doadores apoiando causas diferentes, mais de 476 campanhas e 122 lives realizadas.

 

Entre as doações históricas, destaca-se a do banco Itaú, que destinou R$ 1 bilhão para a Covid-19, mas também as diversas campanhas de pessoas físicas. “Cada centavo ajuda a salvar uma vida”, ressalta Márcia.

 

O desafio é perpetuar o movimento #comopossoajudar? depois da crise. Uma das iniciativas que vêm contribuindo no país, desde 2012, é o Dia de Doar, campanha que ocorre em novembro, após o feriado americano Thanksgiving. No último 5 de maio, o Dia de Doar criou o “especial Covid-19”, e registrou R$ 2,3 milhões, vindos de 3.243 doadores.

 

Outra iniciativa é o Fundo Bis, específico para apoiar o fortalecimento da infraestrutura do terceiro setor. “A sociedade civil organizada precisa ser vista como um setor que contribui para o desenvolvimento do país, da mesma maneira que se olha para o turismo, a cultura etc.”, diz Paula.

 

Entre os entraves do Brasil, ainda há o costume de não revelar a doação. “Lá fora, todo mundo fala, a família Armani, o Bill Gates. Mas a nossa cultura católica, que associa riqueza a culpa, contribui para que doação seja vista como ostentação”, diz a diretora do Idis.

 

O campo tributário também complica as doações, porque o Brasil é um dos três países do mundo –além de Croácia e Coréia do Sul– que ainda mantém um imposto sobre doação de herança, o ITCMD (Imposto de Transmissão de Causa Mortis e Doação), sem discriminar se é para interesse público. No Estado de São Paulo, a taxa é 4%. “A senadora Mara Gabrilli apresentou uma PEC para eliminar esse imposto, esperamos que siga adiante”, diz Paula.

 

“Temos que sair melhores do que entramos nesta crise como sociedade, pensando no coletivo. Uma das atitudes que está mudando é a cultura da doação, que nunca foi forte no país e agora começou a se transformar, devido à diferença social, escancarada pela pandemia”, diz Luiza Helena Trajano, Presidente do Conselho da Magalu e Presidente do Grupo Mulheres do Brasil.

 

Fonte: Folha de SP