Desde junho de 2019, o STF equiparou a violência contra a população LGBT como crime de racismo. Veja como procurar ajuda mesmo de forma remota.

Para a população LGBT, o isolamento social - considerado o melhor aliado para impedir a disseminação do novo coronavírus - também pode ser, paradoxalmente, sinônimo de exposição a mais vulnerabilidade. A convivência intensa e, por vezes, violenta com familiares que rejeitam a sexualidade ou identidade de gênero é um fator que agrava as dificuldades, além da possível falta de renda e da paralisação do acesso ao sistema de saúde.

“Os desafios que as mulheres enfrentam, na questão da violência doméstica, são muito semelhantes aos que se apresentam à população LGBT neste momento. Esse conceito do lar como algo ‘bucólico, seguro e acessível a todos’ não é verdadeiro”, explica Vinicius Silva, coordenador auxiliar do Núcleo Especializado de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial (NUDDIR) da Defensoria Pública de São Paulo. 

Desde que o isolamento social começou a ser adotado para conter a pandemia de coronavírus no Brasil, em março, foram registrados 26 casos de assassinatos de mulheres trans e travestis no País, de acordo com a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais). É um aumento de 13% em relação ao mesmo período do ano passado, segundo dados divulgados no último dia 6.

Desde junho de 2019, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que a LGBTfobia deve ser equiparada ao crime de racismo até que o Congresso Nacional crie uma legislação específica sobre esse tipo de violência. A pena é de até 3 anos e o crime será inafiançável e imprescritível, como o racismo. Até então, crimes motivados por orientação sexual ou identidade de gênero não tinham nenhuma tipificação penal específica no Brasil. 

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Para a população LGBT, o isolamento social também pode ser, paradoxalmente, sinônimo de exposição a mais vulnerabilidade.

Canal oficial do governo federal para receber denúncias desse tipo, o Disque 100 registrou 513 ocorrências no primeiro semestre de 2019. Destas, 74,98% são referentes à discriminação. Entre elas, chama atenção o preconceito por orientação sexual (89,85%), seguido por identidade de gênero (17,51%) e religiosa (3,55%). Os casos de violação vêm em seguida com um maior número de violência psicológica (72,22%), seguida por violência física (36,67%), e violência sexual (8,89%). 

O órgão não divulgou dados referentes a 2020 ou ao período de quarentena. Em coletiva de imprensa recente no Planalto, a ministra Damares Alves afirmou que os canais para atendimento à população LGBT estão sendo ampliados devido à pandemia. O órgão recebe denúncias de violações de direitos humanos, como tortura, abuso sexual, negligência, racismo e homofobia.

Recentemente, a ONU (Organização das Nações Unidas) recomendou que os países-membros adotem medidas para proteger as pessoas LGBT neste momento, contra a discriminação, em especial, na procura por assistência médica. Essa população pode hesitar em procurar ajuda e agravar o problema por serem especialmente vulneráveis ao novo coronavírus, disse a ONU. 

A organização chama atenção para o fato de que os esforços para deter a propagação do vírus causaram o fechamento de muitos centros de acolhida ao redor do mundo, que oferecem moradia, alimentos e assistência médica à população LGBT. No Brasil, esse cenário varia em cada estado. Em São Paulo, os centros de acolhida continuam funcionando em horário diferenciado. Os endereços estão disponíveis no site da prefeitura.

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"Cure seu preconceito", diz cartaz de manifestante contra cura gay em São Paulo.

Segundo o defensor Vinicius Silva, neste período nota-se também um processo de “precarização e pobreza acentuado” dessa população. “Boa parte da população LGBT é autônoma ou vive da prostituição e, neste momento, perdeu tanto a moradia quanto a renda”, diz. “Para as pessoas trans, em especial, entrar com o pedido pelo auxílio emergencial do governo também está sendo um desafio pelo nome social”, aponta. 

Por ocasião do último 17 de maio, em que é celebrado o Dia Internacional de Combate à Homofobia, a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) e a ABGLT (e a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) desenvolveram uma cartilha com dicas de como lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e pessoas intersexuais podem agir em situações de violência.

Em 1990, OMS retirou homossexualidade do rol de doenças mentais

 

Há 30 anos, em maio de 1990, a OMS (Organização Mundial da Saúde) retirou a homossexualidade da lista de distúrbios mentais da CID (Classificação Internacional de Doenças). A decisão reconheceu que a orientação sexual não pode ser considerada doença, por se tratar de traço da personalidade do indivíduo. A mudança marcou uma vitória para a movimento LGBT e a data foi escolhida como dia internacional de combate ao preconceito e à violência contra gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros.

 

“Tirar a homossexualidade do rol de doenças foi algo muito importante. A partir desse momento, aqui no Brasil, nós vimos o início da busca por alcançar grandes direitos”, diz a advogada Luanda Pires especialista em Direito Homoafetivo e de Gênero e membro da Comissão da Diversidade Sexual da OAB-SP. “Em contrapartida, o Brasil carrega um número muito grande de letalidade por discriminação contra pessoas LGBT”, diz. 

 

Diante da omissão do Congresso, o STF (Supremo Tribunal Federal) tem sido o garantidor de conquistas à população LGBT. Entre as decisões mais significativas do tribunal estão a união civil homoafetiva, a garantia de pessoas transexuais terem a possibilidade de a mudar a identidade de gênero e o pré-nome sem a necessidade de cirurgia, a criminalização da LGBTfobia, em 2019 e, recentemente, a corte derrubou as restrições que impediam homens que fazem sexo com homens de doar sangue no País.

 

O GGB (Grupo Gay da Bahia) registrou a ocorrência de 329 mortes violentas de LGBTs em 2019, sendo 297 homicídios e 32 suicídios. A entidade, que faz anualmente o levantamento dessas mortes desde 1980, aponta que houve uma diminuição nas mortes violentas de gays, lésbicas, travestis e bissexuais no ano passado em relação a 2018.

O material, que traz informações de como ajudar vítimas a efetivar a denúncia, define a LGBTfobia como “uma série de atitudes ou sentimentos negativos em relação às pessoas LGBT motivadas pela orientação sexual e/ou sua identidade de gênero” e é gerada por “desconhecimento, alienação, valores morais baseados em argumentos do senso comum, com cunho religioso, pela invisibilidade e ignorância”.

“Mesmo neste contexto, é de extrema importância que essa população seja encorajada a fazer as denúncias, seja desde violência psicológica até a física, porque a gente não só consegue proteger de forma mais eficaz a vítima, como também obter dados sobre essa situação ajuda a gente a pensar em alternativas e melhorar políticas públicas”, diz Silva.

A cartilha ainda traz dicas de “o que não fazer” no momento da violência. “No momento em que a LGBTIfobia ocorrer, é de suma importância que a vítima não revide ao comportamento criminoso”, diz o texto, ao pontuar a segurança da vítima e o possível risco de o Judiciário não aplicar a pena prevista para o crime de racismo, no entendimento do STF.

Além do Disque 100, que funciona 24h, as ocorrências durante o isolamento podem ser registradas à distância pelo aplicativo “Direitos Humanos Brasil”, do governo federal. Outros canais oficiais que recebem denúncias contra a população LGBT são a Central de Atendimento à Mulher (Disque 180), o Disque Saúde (ou Disque 136) e o SUAS (Sistema Único de Assistência Social).

Com prorrogação do isolamento social, em especial, no estado de São Paulo, boletins de ocorrência podem ser registrados online. As vítimas, caso tenham sido expulsas de casa ou estejam vivendo em situação de ameaça, também podem procurar a Defensoria Pública e recorrer especialmente ao NUDDIR, que tem autonomia para entrar com o pedido de medidas protetivas. Os atendimentos estão sendo realizados por e-mail Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo., pelo WhatsApp (11) 94220-9995; e gratuitamente pelo 0800-773-4340.

Quando as medidas protetivas são solicitadas no momento da ocorrência, o pedido é encaminhado diretamente à Justiça. É recomendado que a vítima tenha em mãos mensagens de textos, áudios, fotografias, comprovantes de entradas em hospitais, declarações de testemunhas, ou qualquer outro material que sirva como prova.

Ambos os especialistas frisam que mulheres lésbicas, trans e travestis devem utilizar o Ligue 180 para denúncias ou buscar orientações. Na ausência de uma rede de apoio, os serviços de atendimento às mulheres vítimas de violência, em especial as Delegacias de Defesa da Mulher e a Casa da Mulher Brasileira continuam em funcionamento 24h - e contemplam atendimentos necessários: psicológico, jurídico e de assistência social.

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Segundo a Antra, foram registrados 26 casos de assassinatos de mulheres trans e travestis no País.

“As mulheres lésbicas, assim como as mulheres trans e travestis, caso precisem, também podem ir até a Delegacia da Mulher, e devem ser atendidas da mesma forma que uma mulher heterossexual e cis”, ressalta a advogada Luanda Pires especialista em Direito Homoafetivo e de Gênero e membro da Comissão da Diversidade Sexual da OAB-SP. 

Em São Paulo, as UBSs (Unidades Básicas de Saúde) também estão preparadas para o atendimento de casos de violência doméstica. Os endereços das UBSs (Unidades Básicas de Saúde) podem ser encontrados no site buscasaude.prefeitura.sp.gov.br; além disso, um canal de atendimento foi estabelecido pelo e-mail Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.”';document.getElementById('cloak40911a8812d4da6c6a5cc4806797367c').innerHTML += ''+addy_text40911a8812d4da6c6a5cc4806797367c+'<\/a>';

″É importante lembrar que a violência doméstica e familiar não é apenas contra a mulher. E ela não é só física, ela também é psicológica, sexual, patrimonial e moral. É imprescindível que a população LGBT saiba que mesmo à distância pode pedir ajuda seja diante de uma violência, ou outro tipo de vulnerabilidade”, diz Pires.