Portaria do Ministério da Saúde que embasa programa nacional de vigilância da água não inclui os 20 produtos mais usados na cana, principal cultura agrícola do estado de São Paulo. A pulverização aérea de grandes quantidades desses agrotóxicos contamina rios e lençois freáticos

A água que sai de boa parte das torneiras espalhadas pelo estado de São Paulo pode estar contaminada por perigosos agrotóxicos, a maioria deles proibida em países da União Europeia justamente por estarem associados a diversos tipos de câncer e malformações congênitas, entre outros problemas graves. E, para piorar, trata-se de agrotóxicos que sequer constam da lista da Portaria da Potabilidade da Água do Ministério da Saúde, que dispõe sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano.

Ou seja, como não estão entre aqueles considerados causadores de risco à saúde humana em portaria atualizada em maio de 2021, durante a gestão do então ministro Marcelo Queiroga, nem são monitorados pelas companhias de saneamento. E a água contaminada com esses agrotóxicos, entre eles a azoxistrobina, trietanolamina, etefom, bispiribaqui-sódico, picoxistrobina e a flubendiamida, pode até receber nota de conformidade com a norma do Ministério quando, na realidade, vai causando doenças na população.

O alerta foi feito ontem (11) pelo defensor público Marcelo Novaes durante audiência pública na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) em defesa da aprovação do Projeto de Lei 1.227/2019, que cria a Política Estadual de Redução de Agrotóxicos. Marcelo partiu de um parecer dos professores Sonia Hess e Rubens Nodari, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que analisaram mapas de pulverizações aéreas de agrotóxicos em diversas regiões do estado paulista obtidos pela Defensoria. Ele é coordenador do Fórum Paulista de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos.

 

Veneno na água e na alimentação

Em São Paulo, as regiões que demandam doses ainda maiores de agrotóxicos são, entre outras, Ribeirão Preto, Batatais, São João da Boa Vista e Presidente Prudente. É nelas que predomina o monocultivo da cana, que praticamente tomou conta do estado. E mais agrotóxicos vêm sendo usados agora, com a versão transgênica da cana.

“O agronegócio é basicamente soja, milho, cana e algodão, que representam 80% do consumo de agrotóxicos. São cerca de 20 produtos, no máximo, de cada empresa, usados pelo agronegócio. A análise dos mapas mostrou que os 20 produtos mais usados na cana em Ribeirão Preto, o que se repete nas outras microrregiões, podem conter vários princípios ativos e são produzidos por grandes empresas. E não são pesquisados pela portaria da água. Então, os relatórios a partir dessa portaria são ‘frios'”, destacou o defensor, que atua em Santo André, no ABC paulista.

A deputada Márcia Lia, líder da bancada do PT na Alesp e coautora do PL da redução do uso de agrotóxicos, cobrou a tramitação da proposta, parada há dois anos com o relator, o deputado Thiago Auricchio, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). “O deputado é contra que vote contra, mas não pode ficar por dois anos segurando o projeto de lei”, disse. O presidente da Casa, deputado Carlão Pignatari, se comprometeu a recolher o projeto e distribui-lo a outro relator.

Na avaliação da parlamentar, a audiência confirmou a urgência da aprovação. “O PL que cria a Política Estadual de Redução de Agrotóxicos e é um marco no início da luta coletiva, suprapartidária. Nós vamos dialogar com a população sobre a urgência disso, esclarecer, trazer o debate efetivo do quanto de veneno estamos consumindo na alimentação. A tramitação desse PL está parada nas comissões desde março de 2020 e nós precisamos que um assunto de tamanha importância para a vida de todos nós seja debatido e aprovado”.

Participaram também da audiência a pesquisadora da Unesp Yamila Goldfarb, da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida; Claudimar Amaro, médico da Unidade Básica de Saúde Adão do Carmo, da Prefeitura de Ribeirão Preto e membro do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes); além de representantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) e demais movimentos em defesa da saúde, meio ambiente e agricultura familiar.

 

Fonte: Rede Brasil Atual