Valor equivale a contrapartidas que serão descontadas do preço mínimo pelas licenças

 

As operadoras de telefonia atacaram ao menos duas exigências de investimentos impostas pelo edital do leilão do 5G durante audiência pública realizada pela Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (10). Para elas, a construção de uma rede fechada para o governo Bolsonaro e o deslocamento de satélites para evitar interferências com a TV aberta tomará ao menos R$ 6 bilhões dos investimentos nas redes da nova tecnologia.

 

As empresas estimam em cerca de R$ 25 bilhões o valor das frequências (faixas no ar por onde as teles fazem trafegar seus sinais). De acordo com a proposta do edital em discussão na Anatel (Agência Nacional das Telecomunicações), o governo decidiu abrir mão de dinheiro no ato do leilão em troca de investimentos obrigatórios.

 

Esses investimentos são contrapartidas por pagarem menos nas licenças e não se confundem com investimentos próprios a serem realizados pelas empresas.

 

Para as teles, diversas exigências são indevidas por não terem relação com as redes de quinta geração. Entre as exigências estão levar fibra óptica para a região amazônica ou a municípios que poderiam ser mais bem atendidos por meio de rádio devido a questões geográficas.

 

Diante de tantos pontos controversos com o setor, o presidente da Anatel, Leonardo de Moraes, pediu vista do processo e paralisou a votação pelo conselho diretor da agência até 24 de fevereiro, quando deverá apresentar seu voto.

 

As operadoras estimam que, como boa parte das contrapartidas não tem especificação –não se sabe, por exemplo, a dimensão de cobertura da rede privativa do governo– o valor total pode ultrapassar os R$ 25 bilhões do preço das frequências.

 

Por isso, exigem melhorias e mudanças no edital sob pena de questionarem o edital na Justiça. Ou, que os cálculos sejam rapidamente apresentados pela Anatel.

 

No debate , representantes das operadoras –que participarão do leilão– e das principais associações do setor deixaram claro que estão alinhados em relação às contrapartidas e em guerra quanto a aspectos técnicos da nova rede a ser implantada.

 

As teles se posicionaram contrariamente à construção de uma rede para Bolsonaro porque não podem, como empresas de capital aberto em sua grande maioria, investir em uma rede que será entregue para um competidor –no caso, a Telebrás.

 

“Essa rede não pode ser construída pelas empresas. Tem de ser licitada para alguém construir. Existe questionamento sobre nós construirmos essa rede, que ainda será operada pela Telebras”, disse Fábio Andrade, vice-presidente de Relações Institucionais da Claro. “E ainda falta explicação da dimensão dessa rede [se vai operar somente em Brasília ou em outros estados].”

 

Desde a privatização do setor, as empresas participam de licitações públicas e geram receitas com a prestação do serviço para órgãos públicos, inclusive a Presidência da República.

 

De acordo com as regras do edital propostas pelo conselheiro da Anatel Carlos Baigorri, como esses investimentos serão descontados do preço mínimo das frequências, cabe à União definir os projetos e os padrões a serem adotados.

 

Um deles é a construção dessa rede privativa para o governo, que não deverá conter equipamentos da fabricante chinesa Huawei. Foi a saída encontrada para evitar que Bolsonaro barrasse a gigante chinesa da construção das redes comerciais 5G no país –o que atrasaria a oferta do serviço e o tornaria mais caro.

 

Outra obrigação é a distribuição, por parte das teles, de receptores de TV para os brasileiros que captam programas da televisão aberta via satélite ou que assinam pacotes de canais fechados, como os da Sky.

 

Os satélites operam atualmente na faixa de frequência de 3,5 GHz, que será utilizada pelo 5G.

 

Na proposta do edital, que seguiu diretriz do Ministério das Comunicações, esses equipamentos terão de ser deslocados para outra faixa de frequência (migração).

 

Na audiência, as operadoras defenderam que essa solução custará R$ 3 bilhões a mais do que se fossem distribuídos filtros para evitar interferências nas antenas parabólicas (mitigação).

 

“Não entendemos como entrou no edital uma solução que tira R$ 3 bilhões em investimentos do 5G”, questionou Marcos Ferrari, presidente da Conéxis, associação das operadoras de telefonia. “O edital adotou a migração da Banda C [faixa em que hoje operam os satélites] para a banda KU [faixa mais elevada e sem uso maciço]. Isso custa R$ 3 bilhões a mais e vai atrasar a instalação do 5G em ao menos dois anos.”

 

Os representantes da Tim, Mario Girasole, e da Vivo, Átila Araújo, defenderam a mudança no edital e a retomada da proposta anterior de distribuição de filtros.

 

“Temos absoluta segurança de que a solução da mitigação [uso de filtros] é segura, mais rápida e mais barata que a da migração”, disse Araújo, da Vivo.

 

Segundo ele, o prazo estabelecido pelo edital de 300 dias para a migração é “muito arriscado” com “grande possibilidade de não cumprimento”.

 

Ainda de acordo com o edital, somente após esses 300 dias as operadoras poderiam dar início à exploração comercial da faixa de 3,5GHz, o chamado “filé mignon” do 5G, que permitirá a oferta de velocidades até cem vezes superiores às do 4G.

 

Girasole, vice-presidente de assuntos regulatórios da Tim, expôs um racha entre as empresas ao defender publicamente o chamado “padrão 16” das novas redes 5G, outra proposta do edital.

 

Por esse padrão, as empresas terão que construir redes novas e totalmente independentes para a quinta geração. Segundo o conselheiro Baigorri, é esse padrão que forçará as empresas a entregarem uma “Ferrari e não um Fusca” com o 5G.

 

Isso significa que as teles pretendiam aproveitar as redes já existentes e trocar os rádios para funcionarem com o 5G, seguindo uma receita de investimento que se repete desde o início da telefonia celular no país. À medida que as novas tecnologias surgiram, entravam em campo com a instalação de antenas de rádios para permitir a exploração das novas faixas de frequência.

 

É por isso que as empresas já lançaram serviços com velocidade similar à do 5G por meio de suas redes –e frequências– existentes.

 

Baigorri não vetou esse tipo de oferta de serviço, mas decidiu que, para efeitos de cumprimento de obrigações de cobertura 5G, só entrarão na conta investimentos novos de “5G puro-sangue”, o chamado padrão Stand-Alone.

 

Neste padrão, equipamentos já instalados não conversam com os demais. Ou seja: exigem uma rede totalmente nova e que, segundo o relator, garantirão funcionalidades como cirurgia à distância, carros autônomos e indústrias conectadas. Caso contrário, na avaliação do relator, teríamos um "4G Plus".

 

A Claro afirmou que “é preciso mais tempo para se chegar a esse estágio”. Andrade afirmou que a empresa “estará pronta para entregar uma Ferrari quando o Brasil precisar dessa Ferrari” e que, até lá, a empresa gostaria de continuar utilizando sua rede com um produto 5G.

 

A Claro alega que essa escolha –pelo 5G puro-sangue– irá encarecer o serviço para o consumidor e atrasar a oferta (até que as novas redes sejam construídas) em até três anos.

 

A Tim rechaçou essa posição. “Não demora e não encarece”, disse Girasole. “Teremos de construir essas redes de qualquer forma e para isso vamos pagar um pedágio. O pedágio é o lance mínimo pelas frequências [adquiridas no leilão]. A questão é saber se vamos embarcar nessa estrada de bicicleta ou de avião de caça.”

 

Para ele, a única garantia de entrega de velocidade 5G com latência de milissegundo [tempo de resposta entre o telefone e um site de internet, por exemplo] é na rede 5G puro-sangue.

 

“Uma pesquisa da GSMA [associação global das operadoras de celular] mosttra que 85% das operadoras que têm 5G pretendem migrar para Stand-Alone até 2022. Por que não começarmos já com essa rede?"

 

Fonte: Folha de SP