Assim, com objetivo de subsidiar este debate, reduzido e amesquinhado, pela imprensa grande, mercado e capital, a apenas ao custeio dos sindicatos, sem considerar o papel dessas entidades sindicais no desenvolvimento das relações de trabalho, com conquistas relevantes para os trabalhadores, e manutenção de direitos, sem os quais, hoje, a vida desses trabalhadores seria, infinitamente, mais difícil e precária.

Essa contribuição consiste em desconto feito em folha de pagamento, pelas empresas, com porcentual definido em assembleia. O objetivo dessa contribuição é custear as atividades coletivas dos sindicatos, como as campanhas de dissídio salarial coletivo.

O dissídio coletivo de trabalho representa o processo jurídico para resolver conflitos coletivos no ambiente laboral, envolvendo interesses comuns de grupos de trabalhadores e empregadores (patrões), mediados por entidades sindicais, em particular, os sindicatos.

Esse debate voltou a ganhar os holofotes, com a vitória do presidente Lula (PT), que reabriu a discussão em torno do financiamento sindical, desmantelado pela Reforma Trabalhista, no contexto da Lei 13.467/17, que entre outras medidas drásticas, extinguiu o chamado imposto sindical obrigatório, que 1 vez por ano cobrava de todos os trabalhadores formais 1 dia de trabalho, com desconto compulsório em folha.

 

Contribuição desobrigada

Essa contribuição não foi extinta. Foi tornada voluntária e para que seja descontada no contracheque, o trabalhador deve ir pessoalmente ao sindicato e autorizar, formalmente, por meio de documento assinado, o repasse ao sindicato.

Mas qual trabalhador vai fazer isso, com a demonização da contribuição sindical, e pior, do sindicato? Essa demonização está na mídia e é feita cotidianamente pelos patrões, pelo chamado mercado e o capital, que são inimigos dos direitos dos trabalhadores, cujos defensores desses direitos, são os sindicatos.

Essa demonização, levada aos estertores, serviu de caldo de cultura para fomentar a chamada Reforma Trabalhista, aprovada pelo Congresso, e sancionada pelo ex-presidente Michel Temer (MDB), em 2017, que entre outras questões alterou profundamente as relações de trabalho no Brasil1.

 

Entenda o retorno da contribuição assistencial

Sobre a chamada “contribuição assistencial”, o STF fixou, em 2017, a seguinte tese: “É inconstitucional a instituição, por acordo, convenção coletiva ou sentença normativa, de contribuições que se imponham compulsoriamente a empregados da categoria não sindicalizados” (STF, Pleno, RG-ARE 1.018.459/PR, relator ministro Gilmar Mendes, j. 23.02.2017, DJe 10.03.2017).

Todavia, 6 anos depois, no mesmo processo, apreciando recurso de embargos de declaração (com a finalidade específica de esclarecer contradição), após voto-vista do ministro Luís Roberto Barroso, e dos votos de outros ministros, o relator, Gilmar Mendes acolheu o recurso, com efeitos infringentes (capacidade de reformar ou modificar decisão judicial), para admitir a cobrança da contribuição assistencial, inclusive dos trabalhadores não filiados, assegurando ao trabalhador o direito de oposição, fixando a seguinte tese (Tema 935 da Repercussão Geral): “É constitucional a instituição, por acordo ou convenção coletivos, de contribuições assistenciais a serem impostas a todos os empregados da categoria, ainda que não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição” (STF, Pleno, sessão virtual, de 14/4/23 a 24/4/23).

 

Em resumo, a fundamentação do ministro Luís Roberto Barroso, para dar efeito modificativo à decisão foi:

• que as contribuições assistenciais não se confundem com a contribuição sindical — também conhecida como “imposto sindical” —, cuja cobrança deixou de ser obrigatória, a partir da Reforma Trabalhista, de 2017;

• que a cobrança das contribuições assistenciais está prevista na CLT desde 1946, ao contrário da contribuição ou “imposto” sindical;

• que a arrecadação das contribuições assistenciais só pode ocorrer para financiar atuações específicas dos sindicatos em negociações coletivas;

• que, como a jurisprudência do STF, construída ao longo dos últimos anos, passou a conferir maior poder de negociação aos sindicatos, identificou-se contradição entre prestigiar a negociação coletiva e, ao mesmo tempo, esvaziar a possibilidade de sua realização, ao impedir que os sindicatos recebam por atuação efetiva em favor da categoria profissional; e

• que, por esse motivo, no seu novo voto permite-se a cobrança das contribuições assistenciais previstas em acordo ou convenção coletiva de trabalho, assegurado ao trabalhador o direito de se opor ao desconto, tratando-se de solução intermediária, que prestigia a liberdade sindical e, ao mesmo tempo, garante aos sindicatos alguma forma de financiamento.

 

Desobrigação sem regra de transição

O objetivo do fim do desconto obrigatório do imposto ou contribuição sindical não foi para proteger o trabalhador “espoliado” pelo sindicato. Teve o objetivo, isto sim, de desmontar, destruir o sindicato, para que essa barreira de contenção contra o apetite patronal contra os direitos dos trabalhadores deixasse, efetivamente, de existir.

Sem sindicatos fortes, organizados, com recursos materiais e financeiros, seria mais fácil destruir direitos e conquistas. Essa foi a razão central do fim compulsório da contribuição sindical.

E como o objetivo não era privilegiar a negociação coletiva, sequer, na lei foi escrita alguma regra de transição, para que os sindicatos pudessem se preparar para as turbulências naturais que adviriam com o fim da obrigatoriedade de repasses desses recursos.

 

CLT sempre privilegiou a negociação sobre a lei

Em nota técnica, ainda no calor do debate no Congresso, da contrarreforma trabalhista, o MPT (Ministério Público do Trabalho) esclareceu que o objetivo de explicitar em lei, o chamado “negociado pelo legislado” não foi para beneficiar ou privilegiar os acordos ou convenções coletivas. Ao contrário.

Até porque, segundo a nota técnica, isto sempre existiu. As convenções coletivas sempre procuravam avançar em relação à CLT. Não era necessário tentar garantir o que já estava consignado na legislação trabalhista. E os acordos coletivos, esses procuravam avançar em relação às convenções. Isto é, esse comando implícito não era para retirar direitos. Ao explícitá-lo, o objetivo era suprimir direitos.

Assim, o objetivo implícito de apor em lei o “negociado sobre o legislado” era destruir direitos e conquistas. Isto, agora, está explícito.

 

Sindicato é mais que impostos ou contribuições

Com a decisão majoritária do Supremo, a imprensa grande, o mercado e o capital abriram as baterias, novamente, contra o movimento sindical. Embora todas estas instituições saibam, muito bem, a diferença entre a “contribuição sindical”, obrigatória, obrigatoriedade essa extinta pela Lei 13.467 e a “contribuição assistencial”, fruto do processo negocial entre patrões e suas entidades representativas, e os trabalhadores e suas entidades representativas, cujo desconto e percentual, com limites, se dá por meio de assembleia convocada para tal fim.

Mídia grande — jornais, portais, TV, rádios, blogs e canais digitais de direita — que defende os interesses patronais, mercado (empresas), voraz que quer suplantar direitos para obtenção de lucros maiores, e capital, cujo propósito central é o lucro e sua manutenção acima de tudo, reduzem esse debate, viciado, à apenas a questão do financiamento dos sindicatos.

Assim, parece ser mais fácil enganar os trabalhadores, que são estimulados, por todos os meios, a demonizar os sindicatos e qualquer tipo de luta coletiva para conquistar direitos e mantê-los.

 

Papel dos sindicatos

Invenção inteligente e relativamente simples, surgida no século 19, o sindicato, é o “advogado” do trabalhador, que defende os direitos e conquistas dos segmentos profissionais representados pelo sindicato.

Sem os sindicatos, talvez, até o ar que se respira seria pago, porque no capitalismo, tudo é transformado em mercadoria.

As organizações sindicais de modo geral, e os sindicatos, em particular, exercem 4 macrofunções, quais sejam: 1) organizar, representar e defender os direitos e interesses dos trabalhadores da categoria profissional, inclusive como substituto processual; 2) negociar ou promover a contratação coletiva, podendo, para tanto, realizar movimentos paredistas (greve) na hipótese de recusa patronal; 3) formar para a cidadania, o que consiste em promover cursos, seminários, simpósios, congressos e mobilizações para desenvolver o senso crítico dos trabalhadores; e 4) lutar por justiça social, o que pressupõe participar e influenciar as decisões e processos políticos para que haja equidade na distribuição da riqueza, com garantia de dignidade ao trabalhador durante sua vida laboral e na aposentadoria2.

 

Entenda as fontes do financiamento sindical

Se os trabalhadores e trabalhadoras não sustentarem seus sindicatos, quem vai sustentá-los? É como dizem os britânicos: “não tem almoço de graça”.

Os patrões — como classe social — têm clareza disso, por isso fazem de tudo para enfraquecer os sindicatos e outras organizações que representam os trabalhadores, os direitos e as conquistas desses, como classe social. O objetivo é dispersar, desorganizar — como classe social —, a fim de impedir avanços econômicos e sociais.

As fontes de custeio sindical são 4: contribuição sindical, contribuição assistencial, contribuição confederativa e contribuição associativa.

A sindical, que era obrigatória, e 1 vez por ano era descontado 1 dia de trabalho de todos na categoria profissional, teve a obrigatoriedade extinta pela chamada “Reforma Trabalhista”.

A assistencial, busca custear as atividades assistenciais do sindicato, principalmente as negociações coletivas em que todos os trabalhadores são beneficiados sejam filiados, ou não. Este foi o entendimento que o Supremo formou maioria para validar a cobrança da contribuição.

A confederativa é aplicável apenas aos empregados filiados ao sindicato e o valor varia, sendo definido anualmente em assembleia, conforme determina a Constituição Federal. Destina-se à manutenção dos serviços prestados pela entidade aos trabalhadores.

A associativa é a mensalidade cobrada pelos sindicatos apenas de trabalhadores sindicalizados, que obtêm série de benefícios, como convênios e descontos em serviços.

Marcos Verlaine,  Jornalista, analista político e assessor parlamentar do Diap

 

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1 Síntese dessas mudanças introduzidas pela contrarreforma trabalhista:

• acordos coletivos passaram a prevalecer sobre a legislação. Com isso, o que for acertado entre empregado e empregador não é vetado pela lei, respeitados os direitos essenciais, como férias e 13º salário;

• pagamento da contribuição sindical, equivalente a 1 dia de trabalho, deixou de ser obrigatório;

• jornada de trabalho, antes limitada a 8 horas diárias e 44 horas semanais, pode ser agora pactuada em 12 horas de trabalho e 36 horas de descanso, respeitadas as 220 horas mensais;

• férias, de 30 dias corridos por ano, agora podem ser parceladas em até 3 vezes;

• possibilidade do trabalho intermitente, com direito a férias, FGTS, contribuição previdenciária e 13º salários proporcionais. O salário não pode ser inferior ao mínimo, nem aos vencimentos de profissionais na mesma função na empresa. Todavia, os contratos intermitentes remuneram apenas as horas trabalhadas e nada mais; e

• grávidas e lactantes só poderão trabalhar em locais com insalubridade de grau médio ou mínimo. Mesmo assim, se for por vontade própria e desde que apresentem laudo médico com a autorização.

 

2 Para que serve e o que faz o movimento sindical, 3ª edição atualizada e ampliada (DIAP).