Para juiz, há nexo causal entre o trabalho e a infecção; empresa diz não comentar processos em andamento
A Justiça do Trabalho no Rio Grande do Sul condenou a gigante das carnes JBS a pagar R$ 20 mil a uma funcionária contaminada pelo coronavírus e reconheceu a doença como ocupacional, ou seja, relacionada à atividade que ela exercia.
Para o juiz Rodrigo Trindade de Souza, da vara do trabalho de Frederico Westphalen, a empresa não conseguiu apresentar provas que afastassem a presunção de que a contaminação tenha ocorrido no trabalho.
A empresa diz não comentar processos judiciais em andamento.
Funcionário da JBS na fábrica de Passo Fundo; região sul do país concentra registro de casos de coronavírus entre trabalhadores de frigoríficos - Diego Vara-28.jul.20/Reuters
“A consequência é de reconhecer nexo causal entre o trabalho e adoecimento, levando à responsabilidade do empregador”, afirmou Souza.
O nexo causal pode ser explicado como um conjunto de fatores que permitem estabelecer se um acidente ou doença está ligado com a atividade exercida pelo trabalhador.
Saber se essa relação existe ou não é importante devido à repercussão sobre direitos trabalhistas e previdenciários do empregado que ficou doente ou sofreu um acidente.
Na decisão da última terça (6), Rodrigo de Souza lembra as controvérsias em torno do reconhecimento da Covid-19 como doença do trabalho.
Em março, na Medida Provisória 927, o governo Jair Bolsonaro (sem partido) previa que a contaminação só seria ocupacional quando comprovado o nexo causal, o que foi interpretado como a transferência, aos empregados, da responsabilidade de comprovar essa relação.
O STF (Supremo Tribunal Federal) suspendeu a interpretação –meses depois, a MP perdeu a validade sem ter sido convertida em lei.
Depois, no início de setembro, o Ministério da Saúde publicou portaria incluindo a Covid-19 na Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho. No dia seguinte, pela manhã, em edição extra do “Diário Oficial da União”, revogou a medida.
“A despeito da insegurança jurídica causada”, diz o juiz, “a presunção de nexo de causalidade entre a Covid-19 e o ambiente de trabalho, permanece a obrigação de análise em cada caso concreto.”
Para o professor de direito do trabalho da FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas), Ricardo Calcini, a decisão do Rio Grande Sul cria um precedente para a interpretação de situações similares. “Pode-se dizer que é uma decisão paradigmática e muito bem fundamentada, com musculatura para criar um precedente na jurisprudência”, afirma.
Na sentença, o magistrado considerou o histórico de contaminação nos frigoríficos e citou o fato de a mesma unidade –a JBS Aves de Trindade do Sul– ser alvo de ação civil pública apresentada pelo Ministério Público do Trabalho.
Segundo Souza, o MPT apontou a necessidade de a empresa reorganizar o setor produtivo para distanciar os trabalhadores e garantir o isolamento de todos que tivessem contato com pessoas contaminadas ou com suspeita de infecção. “Houve grande resistência da empresa, inclusive valendo-se de expedientes processuais pouco comuns”, afirma.
O juiz diz ainda que apenas alguns dias antes de a empregada do frigorífico apresentar os primeiros sintomas, a JBS “questionava medidas importantes para o combate à disseminação da doença no ambiente de trabalho. Medidas que tinham sido pretendidas administrativamente pelo MPT e que foram, finalmente, deferidas por ordem judicial.”
A ação trabalhista discutiu apenas a responsabilidade da empresa em relação às condições de saúde da funcionária.
A sentença reconhecendo o nexo causal, porém, poderá ser usada por ela administrativamente no INSS, para solicitar que seu benefício previdenciário seja do tipo acidentário, como são chamados os relacionados ao trabalho.
Esse enquadramento garante à trabalhadora estabilidade de um ano no emprego e o recolhimento do Fundo de Garantia no período em que ficou afastada. Quando o auxílio-doença é comum, esse depósito é interrompido.
O INSS também poderá cobrar a JBS, por meio de uma ação regressiva, os valores que pagou para a trabalhadora afastada.
Em nota, a JBS disse reiterar ter adotado protocolos rígidos para o enfrentamento da Covid-19.
DIFERENÇAS ENTRE O AUXILIO-DOENÇA COMUM E O ACIDENTÁRIO
Carência (tempo mínimo de contribuições efetivamente recolhidas)
12 meses no auxílio comum (doenças como câncer, turbeculose e cardiopatia grave não têm carência)
Isenta no auxílio acidentário
Estabilidade no emprego
Não há no auxílio comum
12 meses no auxílio acidentário, contados do retorno ao trabalho
FGTS
Empresa não é obrigada a pagar no auxílio comum
Empresa é obrigada a pagar no auxílio acidentário
Fonte: Folha de SP