Acreanos adaptam negócios e reduzem uso do carro para lidar com combustível mais caro do Brasil

 


Pouco depois de a Petrobras anunciar um reajuste de quase 19% no preço da gasolina vendida em suas refinarias no último dia 10, a cidade de Jordão, na fronteira do Acre com o Peru, ganhou destaque no noticiário nacional. Isso porque o único posto do município, que tem cerca de 8 mil habitantes, aumentou o preço do combustível para R$ 11,56 por litro.

A situação virou piada na internet, mas também gerou revolta. Taxistas ameaçaram parar. O Procon do Acre iniciou uma fiscalização sobre o comércio de combustíveis em todo o estado, que, ironicamente, foi a unidade da federal brasileira que, proporcionalmente, mais votou em Jair Bolsonaro (PL) no segundo turno das eleições de 2018 (77,2% dos votos válidos).

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Devido a questões logísticas, o combustível no Acre sempre esteve entre os mais caros do país. Após os últimos reajustes da Petrobras, no entanto, os acreanos dizem que os preços se tornaram insustentáveis, forçando a população a se adaptar a uma nova realidade.

“Infelizmente, estamos restringindo o uso do carro apenas para atividades obrigatórias, como ir e voltar ao trabalho, evitando até mesmo ir almoçar para não gastar gasolina”, disse a empresária Nilda Bernardo, 40 anos, moradora de Rio Branco, capital do estado, onde mais de 82% dos eleitores votaram em Bolsonaro no segundo turno.

De acordo com a última pesquisa de preços divulgada pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), a cidade tem a quinta gasolina mais cara entre as capitais brasileiras, com preço médio de R$ 7,50 por litro. Tem ainda o diesel mais caro: R$ 7,30 por litro, na média.

Nilda lembrou que boa parte dos produtos consumidos no Acre vem de fora do estado. Por conta disso, o aumento do combustível – principalmente do diesel – afeta a vida do acreano de forma ainda mais intensa.

“O combustível impacta em toda a logística que engloba, por exemplo, a alimentação. O abastecimento fica muito restrito”, descreveu. “Conheço muitos colegas que estão indo embora da capital Rio Branco, pois o custo de vida aqui é inviável”, detalhou.

 

Ideias em risco

Inviável também quase se tornou a ideia de negócio de Diego Arantes de Mello, o Dito, 31 anos. Em março de 2021, ele abriu uma empresa para fazer lavagem de sofás em domicílios. Naquela época, ele usava um carro para ir à casa dos seus clientes e já reclamava quando pagava quase R$ 6 por litro de gasolina para trabalhar.

“Já estava caro naquela época. Agora, quem imaginaria que, em um ano, eu teria de pagar R$ 7,50 pelo litro de gasolina em Rio Branco? Era inimaginável”, afirmou.

O aumento foi tamanho que Dito foi obrigado a rever seus planos. Para reduzir seu gasto com combustível, ele comprou uma moto para trabalhar. “Foi um custo alto, mas não teria mais como trabalhar com o combustível neste preço”, disse. “São quase R$ 50 de combustível por dia”, complementou.

Dito disse, ainda, que o aumento dos combustíveis arrochou o orçamento doméstico de muitas famílias em Rio Branco. Por conta disso, ele também foi obrigado a reduzir os preços de seus serviços para não perder clientes.

Pai de um filho de 1 ano e 9 meses e com a esposa desempregada, Dito contou que hoje se mantém financeiramente graças aos trabalhos que faz como músico, os quais também ficaram escassos por conta da crise econômica e da pandemia de covid-19. “Meu poder econômico e minha qualidade de vida diminuíram muito de um ano para cá”, admitiu.

 

Empresas em crise

O presidente da Federação das Indústrias do Acre (Fieac), José Adriano Ribeiro, disse que a situação das companhias acreanas é delicada. Segundo ele, a infraestrutura do Acre já é precária. Com o aumento dos combustíveis, empresas já começam a desistir de seus projetos no estado.

Ribeiro lembrou que, após o reajuste da Petrobras, a Latam anunciou que vai suspender seus voos de Rio Branco para Brasília. Ele também disse que, levando em conta o custo dos combustíveis, empresas de transporte coletivo de Rio Brando estão quebrando.

O industrial ressaltou, também, que cidades do Acre ainda têm energia produzida por geradores movidos por motor a combustão. No caso delas, a situação é ainda mais crítica porque o aumento do combustível vai gerar aumento generalizado da conta de luz no município.

O presidente da Fieac disse que esperava que o governo tivesse uma atenção especial com o estado devido à votação expressiva de Bolsonaro no Acre, mas isso não ocorreu.

“Não conseguimos entender porque isso [essa votação expressiva de Bolsonaro no Acre] não é vista com bons olhos pelo governo para resolver nossa situação”, disse Ribeiro. “O que a gente escuta dos parlamentares é que esse aumento [de preços] é necessário por conta da situação de instabilidade econômica do país”, relatou.

Bolsonaro, aliás, esteve no Acre na semana passada. Na viagem, ele não se reuniu com representantes do setor produtivo estadual, dedicando-se a um evento de entrega de títulos de terra e a um culto religioso.

“Quando um presidente vem a um estado, é importante que ele deixe alguma coisa. Nada de concreto ficou dessa visita”, reclamou Ribeiro.

 

 

O presidente do Sindicato das Indústrias Madeireiras do Acre (Sindusmad-AC), Thyago Costa Barmatti, disse que aguarda uma atitude mais efetiva do governo federal para conter a alta dos combustíveis. Barmatti afirmou que o preço dos fretes para carregamento de madeira extraída de manejo florestal duplicou por conta do custo do diesel.

“Ano passado, eu pagava R$ 40 por metro cúbico de madeira do manejo até a indústria. Este ano, isso está em R$ 90”, disse Barmatti. “Se não tiver medidas para brecar o aumento e até mesmo reduzir o preço do diesel, vai ser muito difícil trabalhar”, considerou.

 

Eleitorado fiel

O custo do combustível também afetou o trabalho de taxistas em Rio Branco. Raniere Fernandes Santos, presidente da Cooperativa Acre Taxi, disse que as tarifas para viagens foram reajustadas logo após o aumento da Petrobras e que os clientes reclamaram.

Para Santos, porém, há pouco o que se fazer sobre resolver essa questão hoje, já que o país não consegue refinar toda a gasolina que consome.

Ele até vê certa responsabilidade de Bolsonaro sobre o assunto, pois “é ele quem está no governo agora”. Mesmo assim, acha que a popularidade do presidente ainda é alta entre seus conterrâneos e que, se depender deles, Bolsonaro será reeleito.

“Eu votei [em Bolsonaro] em 2018 e vou votar de novo neste ano”, afirmou o taxista.

Fonte: Brasil de Fato | Curitiba (PR)