Por falta de plano de manejo, unidade não pode cobrar ingresso de turistas, que deixam milhões em pousadas locais

 

Quase todo consumido pelo incêndio que devasta o Pantanal, o Parque Estadual (PES) Encontro das Águas, um dos maiores refúgios de onça-pintada do mundo, conta com só um funcionário, não tem sede ou plano de manejo e dispõe de orçamento de R$ 45.120 para este ano —ou R$ 123,6 por dia.

 

Nos dois anos anteriores, o orçamento foi ainda menor. Para cuidar da unidade de 109 mil hectares, tamanho comparável à cidade do Rio de Janeiro, foram destinados apenas R$ 3.600, em 2018, e R$ 9.000, em 2019. O pessoal e a estrutura se resumem a um gerente, uma caminhonete, um barco de alumínio, um motor de popa e uma carreta para embarcação.

 

“Mal dá para deslocar mensalmente uma equipe de Cuiabá para visitar o parque. Não tem plano de manejo, não tem gestão. Isso tudo dificulta”, afirma o biólogo Fernando Tortato, que pesquisa as onças da região há dez anos. "O parque está pegando fogo. Quem eu devo contactar? Qual plano de manejo orienta? Não tem nem por onde começar.”

 

 

Com base em Porto Jofre (250 km ao sul de Cuiabá), a observação de onças-pintadas é um turismo caro e que atrai principalmente visitantes estrangeiros.

 

Um estudo feito por Tortato calculou que, apenas em 2015, as sete pousadas do entorno tiveram uma receita de US$ 7 milhões (R$ 37,7 milhões, no câmbio atual). Esse valor é 487 vezes superior à soma dos orçamentos do PES Encontro das Águas dos últimos cinco anos —R$ 77.295.

 

O caixa do parque —e do governo de Mato Grosso— poderiam ser reforçados pela cobrança de ingresso, mas o turista não paga para visitar devido à falta de um plano de manejo, explica Tortato.

 

O PES Encontro das Águas foi criado em 2004 pelo então governador Blairo Maggi. O decreto previa um prazo de até cinco anos para a elaboração de um plano de manejo, prazo expirou em 2009.

 

Ao longo dos anos, o parque se tornou um dos cartões-postais mais conhecidos do Pantanal e destino turístico importante. Além de ser uma das regiões com mais alta densidade de onças-pintadas do mundo (mas não a maior, como tem sido veiculado), os animais se acostumaram com a presença de barcos e de humanos, facilitando a visualização.

 

Boa parte dos vídeos de onças caçando jacarés e outros animais, comuns no WhatsApp, foi gravada ali.

 

Tido como uma forma sustentável de preservação da espécie, o turismo de observação de onças, no entanto, corre o risco de desaparecer na região por causa do incêndio sem precedentes e ainda fora de controle.

 

Análise do Instituto Centro de Vida (ICV) estima que, até o último dia 13, 85% do parque havia sido destruído, ou 92 mil hectares.

 

Duas onças-pintadas foram resgatadas com as patas queimadas. Ainda não há um estudo sobre o impacto do foco na fauna do Pantanal, que já teve ao menos 19% de sua área devastada.

 

Recurso de mineradora

 

Responsável pela gestão, a Sema (Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso) informou que o gerente do parque pode acionar técnicos do órgão, PMs da área ambiental, Polícia Civil e Corpo de Bombeiros.

 

"Quando necessário, a gerência utiliza equipamentos, GPS, máquina fotográfica e notebook de uso comum da Coordenadoria de Unidades de Conservação”, informou a Sema, via assessoria de imprensa.

 

Sobre o orçamento, o órgão ambiental disse que o PES receberá R$ 1,4 milhão em compensação ambiental do empreendimento Serra da Borda Mineração e Metalurgia.

 

A Sema afirma que o plano de manejo, que deveria ter ficado pronto 11 anos atrás, está em andamento, assim como a sinalização e revitalização dos marcos dos limites do parque.

 

Para o biólogo, uma melhor gestão pública será crucial para enfrentar as mudanças climáticas. “Com certeza, a gente vai encarar tragédias como esta no futuro. A gente tem de estar preparado, tem de ter o respaldo do Estado.”

 

Fonte: Folha de SP