Políticas Sociais

Uma criança se joga no chão e grita, para desespero dos pais:

– Eu quero! Eu queroooo!

Em seguida, metade dos olhares do recinto se voltam à cena. A mãe não é forte o suficiente para dizer “não” – julga a maioria. Foram fracos ao educar a criança que, agora, pensa que precisa daquele objeto, daquela guloseima para ser feliz. Desculpem, mas tenho que concordar com os olhares julgadores.

A mãe…sim, ela é fraca. O pai é fraco. A família é pouco.

Mas não é por incompetência. E sim porque lutam contra uma indústria bilionária que, sem vergonha alguma, anuncia para crianças, fazendo uso de recursos altamente sofisticados, como o neuromarketing – que utiliza até eletroencefalogramas para prever a reação do cérebro aos estímulos da comunicação mercadológica. Ou seja, dos anúncios.

Contra bilhões e os maiores recursos já desenvolvidos pela ciência, fica difícil mesmo. Ainda mais quando não se tem capacidade crítica formada. Experimente observar a publicidade com a perspectiva de uma criança de quatro anos.

Qual a diferença entre conteúdo e comercial? Aquelas figuras que dizem “informe publicitário” não te dizem nada. Há apenas aquele personagem criado para se comunicar com você, que voa, cheio de cores, musiquinha, dizendo que aquele é o melhor produto ou que ele é o produto. De forma disfarçada e mais sofisticada, é o velho clássico “compre batom”.

E nós, como sociedade, lavamos as mãos. Aceitamos que a prática antiética continue. Individualizamos o problema. Os favorecidos garantem que seus filhos não sejam reféns e deixam que milhares de crianças fiquem à mercê da publicidade porque seus pais não podem passar o dia ao lado de seus pequenos, ou não podem pagar para que alguém o faça. E aí, é muitas vezes a TV que cumpre o papel de entreter.

Nós ignoramos que as crianças são estimuladas “só” pelos maiores conglomerados do mundo a consumirem quantidades exorbitantes de sódio, açúcar e gordura.

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E #CadêABerinjelanaTV? Quem está pagando para elevar o status do brócolis a super star? A família sozinha.

As crianças que assistem à publicidade aprendem que só serão bem sucedidas se tiverem tal tênis, tal celular, tal carro. E as julgamos delinquentes quando acreditam nisso e, sem perspectivas, decidem “ser alguém'' na marra, em um assalto. Ser ninguém por toda uma vida ou correr o risco?

Por esses motivos, que a decisão unânime do Superior Tribunal de Justiça (STJ), nesta quinta (10), é um marco em direção à civilidade. No caso, a Bauducco é processada pelo Ministério Público de São Paulo, após denúncia do Instituto Alana, por meio do projeto Criança e Consumo, por oferecer relógios de pulso do personagem infantil Shrek, em troca de cinco embalagens de um biscoito (leia-se farinha e açúcar), além de pagamento de R$ 5. A empresa perdeu.

O ministro Herman Benjamin, autoridade no tribunal em Direito do Consumidor, declarou em seu voto que:

“O julgamento de hoje é histórico e serve para toda a indústria alimentícia. O STJ está dizendo: acabou e ponto final. Temos publicidade abusiva duas vezes: por ser dirigida à criança e de produtos alimentícios. Não se trata de paternalismo sufocante nem moralismo demais, é o contrário: significa reconhecer que a autoridade para decidir sobre a dieta dos filhos é dos pais. E nenhuma empresa comercial e nem mesmo outras que não tenham interesse comercial direto, têm o direito constitucional ou legal assegurado de tolher a autoridade e bom senso dos pais. Este acórdão recoloca a autoridade nos pais''.

E eis que as famílias terão alguma folga, já que agora muitas organizações da sociedade civil saem fortalecidas para cobrar que a decisão seja cumprida em outros casos semelhantes – de publicidade infantil e venda casada. Agora, a discussão mudou de patamar. Acabou. É jurisprudência: a publicidade infantil é abusiva e, portanto, ilegal.

Mesmo assim, ainda há trabalho pela frente, mas é bom quando deixamos de ser cínicos e admitimos que a criança gritando ali no chão do supermercado também é culpa nossa e temos decisões a tomar enquanto sociedade.

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