Na Mídia

No Brasil, estima-se que 536 mulheres foram agredidas, por hora, em 2018. Preocupados em como lidar com a questão e seus impactos na vida de mulheres trabalhadoras, o Instituto Maria da Penha, o Instituto Vasselo Goldoni e o Talenses Group, grupo empresarial de recrutamento profissional, ouviram 311 empresas para saber como elas abordam o problema em suas unidades. Intitulada Violência e Assédio contra a Mulher no Mundo Corporativo, a pesquisa enviou formulários online para as empresas participantes.

 

Apesar de 68% das empresas consultadas terem considerado necessário dedicar tempo à abordagem da violência doméstica sofrida por funcionárias, apenas 19% desenvolvem políticas e ações de combate ao problema. Deste total, 11% declararam que esse engajamento se dá por meio de campanhas de sensibilização e conscientização.

 

Somente 9% têm um canal de ouvidoria para apoio à mulher. Na mesma proporção, as companhias oferecem serviço de psicologia fora de suas sedes e apoio jurídico. Um percentual inferior, de 4%, oferece suporte por meio de uma rede de apoio constituída por mulheres vítimas de violência.

 

Empresas que oferecem atendimento psicológico no próprio ambiente de trabalho totalizam 5%. Os dados mostram ainda que 13% das empresas declararam não saber se têm mecanismos de enfrentamento à violência doméstica.

 

Perfil

Outro indicador importante é relativo ao perfil das empresas que mais se empenham em iniciativas desse tipo. As de grande porte são as que mais se comprometem quanto ao enfrentamento à violência doméstica. Ao todo, 25% das empresas com um quadro de 499 funcionários ou mais investem nisso.

 

Entre aquelas que têm até 99 empregados, a proporção das que estruturam ações e políticas é de 17%, ficando em segundo lugar na lista. Já entre as companhias da faixa intermediária, com um quadro de pessoal entre 100 e 499 pessoas, 11% têm iniciativas para abordar a violência contra a mulher. No que concerne ao tipo de gestão, constatou-se que 21% dos negócios classificados como profissionais decidiram colaborar com o combate à violência doméstica dessa forma, ante 15% das companhias administradas por famílias.

 

O estudo mostra ainda que as empresas estrangeiras tendem a se preocupar mais. Ao todo, 22% delas contam com ações e políticas. No grupo das nacionais, o número é de 17%.

 

Menos de um terço das empresas ouvidas (26%) afirmou que monitora os casos de violência contra funcionárias e intervém, contra 55% que declarou não fazê-lo. Dentre as justificativas apresentadas destacam-se as seguintes: não está na agenda prioritária da organização (33%); dificuldade de mensurar e controlar (13%) e falta de apoio da liderança (12%).

 

Assédio sexual e moral

O estudo também revelou informações sobre o modo como os empreendedores têm atuado em face do assédio sexual e moral contra mulheres. De acordo com o Tribunal Superior do Trabalho (TST), somente no ano passado foram movidas, na Justiça do Trabalho, mais de 56 mil ações relativas a assédio moral.  

 

O setor industrial recebe destaque positivo: 74% das empresas afirmam desenvolver iniciativas para enfrentar esses crimes. Em relação aos representantes do setor de comércio e serviços, as porcentagens são de 57% e 54%, respectivamente.

 

No caso do assédio, a maior adesão se dá entre as empresas de perfil profissional (66%) e com um quadro de mais de 499 funcionários (77%), formado, majoritariamente, por mulheres (64%). Os dados mostram que 60% das empresas participantes adotam ações de combate ao assédio e que o canal de denúncias é o principal meio (38%).

 

Equidade, igualdade e coibição

A gerente de Comunicação, Marketing e Inteligência de Mercado da Talenses, Carla Fava, ressalta que há outros fatores que podem contribuir para o combate à violência de gênero nas organizações. Segundo ela, ao valorizar as funcionárias, designando-as a cargos de chefia, uma empresa estará fortalecendo essas mulheres e mitigando os prejuízos que relações de poder podem gerar.

 

Na avaliação da gerente, as organizações estão "mais abertas" a monitorar o assédio do que a violência doméstica porque esta última acontece em um ambiente privado e fora das empresas. Para Carla, esse fato reforça a impressão de que a violência doméstica não é um problema social e que os gestores podem se eximir de discutir o assunto, por, supostamente, não terem relação com ele. "Esse distanciamento que tem com a violência doméstica faz com que [a empresa] tenha dificuldade de enxergar que esse problema também é dela", afirma.

 

Feita ao longo de dois meses, no segundo semestre deste ano, a pesquisa está disponível, na íntegra, no site do Talenses Group. Para elaborá-la, os autores contaram com o apoio institucional do Instituto Patrícia Galvão e da Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres (ONU Mulheres), entre outras entidades.

 

Fonte: Agência Brasil

Ela é a primeira super-heroína de quadrinhos da Índia. Ela cavalga um grande tigre de Bengala, e, em vez de leggings, veste sári ou um salwar kameez, outra roupa tradicional entre as mulheres indianas. Ela também é alguém que sobreviveu a um estupro coletivo e que fez de seu trauma, uma arma.

Priya, a personagem em questão, é surpreendente sob muitos aspectos. Ela inicia sua jornada como um garota camponesa indiana simples, mas em três graphic novels aclamadas pela crítica, combate os demônios do estupro, do ataque com ácido e, mais recentemente, do tráfico sexual. Mas quem imagina decapitações e cenas de vingança sangrentas inspiradas na deusa Kali ― uma das divindades do hinduísmo cuja representação é manchada de sangue, com cobras e um colar de crânios ― pode acabar se decepcionando.

As tramas dos três livros possuem uma nuance crítica: o fato de que rejeitam a dicotomia de bem versus mal vista na maioria das histórias sobre super-heróis. E o modus operandi de Priya é diferente de muitos outros: ela não apenas derrota os vilões como reconhece o sistema sociocultural que os criou. Outro aspecto inovador dos livros: Priya foi uma das primeiras HQs da Índia a usar realidade aumentada. As histórias ganham vida surpreendente quando você scaneia as capas e páginas com o aplicativo chamado Artivive.

Priya foi vista pela primeira vez em Priya’s Shakti, de 2014, publicado contra o pano de fundo do estupro coletivo hediondo cometido em Délhi em dezembro de 2012. Nessa história de origem, somos apresentados a Priya, uma jovem que é humilhada e rejeitada depois de sofrer uma agressão sexual. Em seu desespero, ela pede ajuda aos deuses.

Enquanto o Senhor Shiva quer castigar todos os homens por converter-se em “degenerados”, revogando sua capacidade reprodutiva, a deusa Parvati tem outra ideia: ela envia Priya em uma missão para salvar o mundo, mudando as normas sociais profundamente patriarcais que levam à violência contra as mulheres.

Em Priya’s Mirror, de 2016, Priya dá as mãos às vítimas de ataques com ácido para juntas combaterem o rei demônio Ahankar e divulgarem uma mensagem sobre corpos e liberdade das mulheres.

PUBLISHERS
Uma cena de Priya and The Lost Girls

No livro mais recente da série, Priya and the Lost Girls (Priya e as garotas perdidas, em tradução livre), lançado em 2019, Priya volta para seu povoado para investigar o desaparecimento de meninas e mulheres jovens, entre elas sua própria irmã Laxmi. Ela então descobre que elas foram levadas a um prostíbulo subterrâneo na cidade que é comandado por um demônio chamado Rahu cujo poder vem do controle que ele exerce sobre a mente e o coração de mulheres. Cabe a Priya libertá-las do feitiço dele e intervir para salvá-las, sendo que os habitantes de suas aldeias as rejeitam.

Priya é mais uma guerreira de justiça social do que uma cruzadista sedenta de sangue. Mas isso não a impede de ser incisiva e forte quando mergulha em montanhas vulcânicas com o tigre voador que ela amansou para ser seu pet, espalhando seu sangue divino sobre monstros míticos para derrotá-los.

“Priya não é uma super-heroína qualquer”, diz o cineasta Ram Devineni, produtor e criador da série Priya. “Apesar de cavalgar um tigre, sua principal força é seu poder de persuasão.”

A dramaturga Dipti Mehta, que passou muito tempo nas zonas de prostituição de Mumbai fazendo pesquisas para seu premiado espetáculo individual Honour, foi chamada para coescrever a história do terceiro livro.

Ruchira Gupta, fundadora da Apne Aap Women Worldwide – uma das maiores ONGs mundiais que apoiam meninas e mulheres em situação de risco na Índia e nos Estados Unidos – também participou do trabalho e ajudou a deitar as bases da história.

“Em meus anos de pesquisa, descobri, para meu horror, que existe uma cadeia de fornecimento muito eficiente que se estende de vilarejos no interior da Índia e do Nepal até bordéis em Mumbai, Délhi, Kolkata e Patna. Os clientes pagam um valor irrisório por cada estupro, algo como 30 centavos de dólar, contribuindo com uma indústria multibilionária”, explica Gupta.

Esses clientes pagam um valor irrisório por cada estupro, algo como 30 centavos de dólar, contribuindo para uma indústria multibilionária.

Um cenário típico, ela disse, envolve um agente que oferece a um camponês um valor de cerca de US$100 (o equivalente a R$ 420 reais) por sua filha de 13 anos. Em seguida, grupos de meninas são levadas, atravessando fronteiras ilegalmente. Confinadas em barracos por alguns dias, elas são espancadas, passam fome e depois são levadas a transportadores que, por sua vez, as entregam a cafetões nas grandes cidades. Quanto mais nova a menina, maior o preço dela. A rotina diária, que pode se prolongar por cinco anos ou mais, muitas vezes inclui passar dias trancada em um cômodo apertado e ser oferecidas para dez a 15 clientes por noite.

Em janeiro de 2017, Devineni passou algum tempo na zona da prostituição de Kolkata, Sonagachi. Ali ele conheceu dezenas de vítimas de tráfico sexual e decidiu que dedicaria o próximo livro de Priya a essa questão.

A história de Priya and the Lost Girls ressalta vários aspectos do tráfico de pessoas na Índia, incluindo o modo como as mulheres são coagidas a se prostituir e depois não conseguem enxergar uma saída.

“Uma vez absorvidas pelo sistema, as trabalhadoras sexuais são condicionadas a acreditar em certas coisas. Por exemplo, elas começam a se solidarizar com seus opressores, começam a se conformar com essa vida e a pensar que aquele é o único lugar para elas no mundo. Começam a aceitar o trauma como uma realidade inescapável da vida”, diz Mehta.

A história de Priya and the Lost Girls ressalta vários aspectos do tráfico de pessoas na Índia, incluindo o modo como mulheres são coagidas a se prostituir e depois não conseguem enxergar uma saída.

Um tema recorrente nos três livros é a ênfase sobre a natureza sistêmica da violência contra as mulheresPriya and the Lost Girls procura explicar que trabalhadoras sexuais que foram traficadas muitas vezes permanecem nesse trabalho apenas porque sentem que nunca mais serão aceitas na sociedade dita “civilizada”.

“As mulheres geralmente são vistas como culpadas por tudo de ruim que acontece com elas. As pessoas querem lavar as mãos de qualquer responsabilidade por contribuírem para um sistema opressivo que conduz ao tráfico e exploração. Acham mais fácil, em vez disso, culpar a mulher por se prostituir. É mais fácil pensar que ela é suja e imoral, em vez de admitir que a suposta ‘escolha’ dela é fruto de uma sociedade patriarcal”, diz Dipti.

Ruchira Gupta sabe muito bem que a operação de resgate é apenas metade da batalha pela salvação das mulheres. Ainda há outra perspectiva dolorosa pela frente: a reiniciação delas em todos os aspectos da vida pública e privada com um status verdadeiramente digno e igual, algo que implica receber acesso igual à educação, a empregos, habitação, etc.

Ela comenta: “O que eu mais apreciei na história foi que a luta pela liberdade não terminava com a saída das mulheres do prostíbulo, mas com a contestação do sistema, no qual o livro mostra que tanto homens e mulheres estão condicionados a aceitar o patriarcado”.

Sem falar que hoje em dia tudo na sociedade é tão sexualizado, da publicidade até o cinema. Por isso é crucial conscientizar as crianças desde pequenas.

A HQ utiliza uma linguagem “correta”, mas não hesita em mostrar as realidades duras a seus leitores, formados principalmente pelo público juvenil de 13 anos ou mais.

“Os traficantes perseguem principalmente crianças de cinco a 13 anos. Talvez queiramos proteger nossos filhos e a inocência deles, escondendo questões como essas deles, mas com isso só os estaremos colocando em situação de risco. Sem falar que hoje em dia tudo na sociedade é tão sexualizado, da publicidade até o cinema. Por isso é crucial conscientizar as crianças desde pequenas. Eu pessoalmente já comecei a conversar sobre esses assuntos com minha filha de 5 anos e meio”, diz Mehta.

Mas, para adequar-se às sensibilidade das crianças, Mehta deixou a narrativa realista e fantástica em medidas iguais.

Desse modo ela ainda é educativa, mas o fato de ser mítica suaviza o aspecto chocante. “Em vez de Rahu, o antagonista principal, ser um homem, nós o mostramos como monstro. Permanecemos no campo da história e do mito, em vez de ambientar a história na realidade”, explica Mehta.

A série já foi descarregada mais de 500 mil vezes e pode ser encontrada em inglês, espanhol, italiano, português e híndi. Financiada originalmente pelo Fundo de Mídia do Instituto Tribeca de Cinema, a Fundação Ford e o Banco Mundial, a terceira edição foi desenvolvida durante o programa do Artista em Residência do Merriweather District, em Columbia, Maryland. O projeto está sendo produzido pela editora literária e produtora de cinema Rattapallax, com sedes em Nova York e Nova Délhi.

“Descobri que a maioria das pessoas não quer falar desses assuntos”, disse Devineni. “Estupro, ataques com ácido e outros problemas de violência de gênero são temas difíceis. Mas quando a discussão é estruturada em torno de uma super-heroína e uma HQ, torna-se mais acessível. Esse foi o grande avanço que conquistamos. Outra coisa é que depois do caso hediondo do estupro coletivo num ônibus, perpetradores e vítimas viraram foco de muita atenção na Índia. Mas discutiu-se muito pouco sobre o tratamento que a sociedade dá às sobreviventes da violência sexual e sobre o ônus da vergonha que ela impõe às mulheres. Acho que a história em quadrinhos ajudou a deslanchar essa discussão.”

Priya and the Lost Girls foi lançado no dia 26 de novembro, durante a campanha internacional 16 Dias de Ativismo Contra a Violência de Gênero, que acontece entre 25 e 10 de dezembro. O livro também foi lançado no Sheroes’ Hangout, em Agra (na Índia), em 30 de novembro, e será lançado no Merriweather Art District, em Columbia,  no dia 7 de dezembro.

*Este texto foi originalmente traduzido do HuffPost India e traduzido do inglês.

 

“Coisa boas surgem quando começamos a prestar atenção ao que acontece quando essas mulheres começam a vencer”, diz especialista em eleger mulheres em 49 países.

 

Fundadora do Center for Women and Democracy (Centro para Mulheres e Democracia) e presidente do The Connections Group, em Seattle (EUA), a americana Cathy Allen aposta na geração de mulheres jovens para ampliar a participação feminina na política. Em visita ao Brasil, a especialista em eleger mulheres em 49 países defende que os partidos políticos melhorem o financiamento e o treinamento para ampliar a equidade de gênero.

“O que eu vejo é que muitas mulheres querem concorrer, mas os partidos precisam dar mais oportunidade para mulheres serem treinadas e terem suas candidaturas financiadas. Creio que há muitas oportunidades nas eleições de 2020, considerando que há tantas pessoas aqui que querem renovação política”, afirmou Allen em entrevista ao HuffPost Brasil.

As mulheres são 52% do eleitorado brasileiro, mas quando se mede a presença nos cargos de poder, os números são bem menores. Elas são 15% dos deputados federais e dos senadores e 14% dos vereadores. No Executivo, apenas um estado é governado por uma mulher e 12% dos municípios.

Esse cenário coloca o Brasil na lanterna dos rankings de presença feminina no poder. Estamos na 152ª posição na lista de 192 países que mede a representatividade feminina na Câmara dos Deputados, divulgada pela Inter-Parliamentary Union. Já entre os cargos no Executivo, ocupamos a 161ª posição na comparação entre 186 países, de acordo com o Projeto Mulheres Inspiradoras.

Na visão de Allen, há uma movimentação de novas gerações para renovar os espaços de poder. “Acredito que especialmente as jovens mulheres que tenho visto, de até 45 anos, são muito fortes, têm alta escolaridade, não parecem tímidas e com certeza estão prontas para os desafios de uma campanha. Acredito que essa nova geração tem muito mais confiança e são mais capazes de concorrer. Tenho visto muitas mulheres aqui interessadas em serem parte do grupo de pessoas que tomam as decisões”, disse.

Allen é  vice-presidente de Educação e Treinamento do National Women’s Political Caucus, uma organização que ajuda mulheres a se elegerem em diferentes níveis de governo. Ela é autora de livros e manuais sobre o tema e foi vice-presidente nacional do Comitê Político Nacional das Mulheres nos EUA e fundou o Centro para Mulheres e Democracia, em 2000, para ajudar mulheres a aprender umas com as outras – local e globalmente.

No Brasil, Allen participou do evento “Mais Mulheres na Política FGV: mesa e debate perspectivas e desafios para as próximas eleições”, promovido pela FGV (Fundação Getulio Vargas) em 22 de novembro.

Ao falar sobre o impacto da representatividade feminina na política, a especialista afirmou que é possível ver mudanças concretas no processo de aprovação de leis quando a participação das mulheres no Parlamento chega entre 15% a 20%. “Coisa boas surgem quando começamos a prestar atenção ao que acontece quando essas mulheres começam a vencer”, ressaltou.

ASSOCIATED PRESS
Brasil ocupa 152ª posição na lista de 192 países que mede a representatividade feminina na Câmara dos Deputados, divulgada pela Inter-Parliamentary Union. 

Leia os principais trechos da entrevista.

HuffPost Brasil: O que te chama atenção sobre o cenário de participação de mulheres na política no Brasil?

Cathy Allen: No Brasil, mais mulheres do que homens estão no Ensino Superior. Temos muitos mulheres trabalhando em empregos qualificados. Quando temos um ambiente melhor para trabalho e educação das mulheres é muito improvável que tenhamos um número tão pequeno de mulheres eleitas como o Brasil tem agora. Isso é incomum e um bom motivo para vir aqui descobrir qual o problema. 

O que eu vejo é que muitas mulheres querem concorrer, mas os partidos precisam dar mais oportunidade para mulheres serem treinadas e terem suas candidaturas financiadas. Creio que há muitas oportunidades nas eleições de 2020, considerando que há tantas pessoas aqui que querem renovação política.

Um dos principais fenômenos nos Estados Unidos não é diferente do que acontece aqui. As pessoas falaram que queriam ver mais pessoas eleitas que se parecem com elas, que agem como elas, que criam os filhos como elas. Eles procuram pessoas gentis, mulheres que têm seus próprios negócios ou que têm empregos comuns. Todos esses tipos de mulheres estão aí. Temos visto muitas mulheres altamente qualificadas.

Tenho certeza que essa energia que está sendo construída pode fazer com que as próximas eleições no Brasil sejam o que as últimas eleições foram para os Estados Unidos, quando mulheres ganharam tanto no nível local quanto nacional.

Por que temos poucas mulheres na política no Brasil? Precisamos mudar a legislação?

O que tem acontecido em vários países é uma redução da diferença de escolaridade entre homens e mulheres. Quando ambos os gêneros têm um bom nível de escolaridade e boas expectativas de participar da sociedade, é que eles se interessam em ser eleitos. O problema não são as pessoas. É o sistema educacional e eleitoral.

*A Lei Eleitoral obriga os partidos a destinar 30% das candidaturas para cada gênero. O mesmo percentual do Fundo Eleitoral e do Fundo Partidário também tem de ser usado para promoção de mulheres na política.

Quais iniciativas para aumentar a participação feminina na política têm dado certo em outros países?

Uma das melhores experiência é na Colúmbia Britânica, no Canadá. Há cerca de 10 anos, quanto eles tinham cerca de 13% de mulheres na política, o Novo Partido Democrático fez uma mudança interna. Sempre que um homem eleito morria ou renunciava ao cargo, ele era substituído por uma mulher, uma “pessoa de cor” ou um homem gay. Em 10 anos, eles foram de 13% de mulheres para 36% e as mudanças promovidas pelas mulheres fizeram história. 

O Canadá têm uma longa história de mulheres nativas que desapareceram. A maioria porque foi morta ou estuprada e nenhuma autoridade foi atrás de descobrir o que aconteceu com elas. Essas mulheres eleitas conseguiram mudar esse cenário. Conseguiram dinheiro e que as forças policiais trabalhassem nisso.

Coisas boas acontecem quando você tem mulheres no poder. Nós enfrentamos muito mais questões de uma maneira que não se fazia antes.

É possível aplicar alguma dessas ideias no Brasil?

Acho que muitas mulheres já estão tentando fazer isso. Eu estava vendo as novas normas, especialmente as relacionadas a financiamento. Há uma pressão para melhorar a arrecadação para candidatas. E olhando para as estruturas dos partidos, há vários tipos de oportunidades para muitos deles distribuirem o dinheiro de maneira mais igualitária para as mulheres. 

A maioria dos partidos no Brasil é controlado por homens e eles também são maioria no Congresso. De tempos em tempos, há tentativas de frear avanços de promoção de mulheres na política.  Como vê esse tipo de situação? É preciso mudar quem está o comando dos partidos?

Temos de ser cuidadosas. Nada nos é dado. É conquistado. Ainda que possa haver diferentes leis para dar às mulheres mais poder e controle do dinheiro, a implementação dessas normas não ocorre de maneira tão simples. Muitas mulheres precisam estar alertas e, honestamente, muitos homens estão interessados em ajudar as mulheres para que elas tenham chances reais de serem eleitas.

Sim, será difícil. Não será fácil e nada nos será dado, mas tenho de dizer que tanta coisa foi feita nos últimos dois anos só porque as mulheres começaram a agir após quase 20 anos sem muito ativismo. Principalmente mulheres jovens começaram a se envolver em diferentes treinamentos. Acredito que as mulheres jovens serão definitivamente parte da solução.

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"Quando as mulheres atingem entre 15% e 20% do Parlamento, eles conseguem propor e aprovar leis. Elas fazem muita diferença", afirma Cathy Allen.

Há indícios do uso de candidaturas laranja de mulheres no Brasil para cumprir a cota de 30%, inclusive na sigla pela qual o presidente Jair Bolsonaro foi eleito, o PSL. Como devemos resolver esse problema? É preciso melhorar a fiscalização feita pela Justiça Eleitoral? É uma questão de mudança cultura?

No passado, algumas mulheres relutavam em votar em outras mulheres. O que tem acontecendo recentemente é um grande aumento no número de mulheres na disputa eleitoral e outras mulheres estão dando contribuições e ajudando nessas campanhas. Candidaturas falsas serão descobertas pelas mulheres que estão atuando de fato nos partidos e pela imprensa. Não é algo difícil de ser identificado. 

Algumas pessoas alegam que há fatores culturais para mulheres não quererem participar da política, que é mais difícil para elas estar longe da família, por exemplo. Como você vê esse tipo de discurso e como atrair mulheres para esse campo? 

A maioria das pessoas não sabem o que os políticos fazem de fato ou como ser eleito. Quando você começa a conversar com as pessoas, elas se mostram mais abertas para isso, começam a procurar os grupos que podem ajudá-las. Há menos mulheres desistindo de disputar agora do que havia há dez anos atrás. Acredito que isso aconteça porque a imprensa têm feito uma cobertura sensata e as pessoas admiram mulheres que conseguiram se eleger. 

Há um novo respeito às mulheres em todo o mundo.  Muitos homens me falam ‘sei que devemos votar nas mulheres. Elas não podem ser tão ruins quanto as pessoas no comando agora’. No nível local, eles sentem que coisas boas acontecem por causa do trabalho dos parlamentares. 

Acredito que especialmente as jovens mulheres que tenho visto, de até 45 anos, são muito fortes, têm alta escolaridade, não parecem tímidas e com certeza estão prontas para os desafios de uma campanha.  

Acredito que essa nova geração tem muito mais confiança e são mais capazes de concorrer. Tenho visto muitas mulheres aqui interessadas em serem parte do grupo de pessoas que tomam as decisões.

Há um proposta em discussão no Congresso para que haja um mínimo de vagas para mulheres no Legislativo. Acha que é uma boa solução?

Muitos países europeus têm sistema similares. Nenhum deles é excelente. Nenhum deles funciona o tempo todo e nenhum deles funciona desde o começo. A parte importante que vejo das políticas de cotas é que, muitas vezes, é o instrumento para as pessoas verem pela primeira vez mulheres no Congresso. Se o governo não consegue dar inspiração e espaço para as mulheres serem eleitas, as cotas são necessárias.

Há muito jeitos de implementar cotas e nenhum é perfeito. As cotas deveriam ser uma inspiração para podemos ver o que acontece se não acharmos mulheres para concorrer voluntariamente. Elas existem para colocar as mulheres no poder porque ainda que elas sejam inexperientes, é melhor tê-las do que não tê-las. Quando as mulheres atingem entre 15% e 20% do Parlamento, eles conseguem propor e aprovar leis. Elas fazem muita diferença.

Com a ascensão da extrema direita no Brasil, temos mulheres eleitas que não têm a equidade de gênero como bandeira. Há algum tipo de conflito em promover uma maior participação feminina na política de parlamentares não feministas?

Não acho que há conflito. Ainda que haja mulheres conservadoras que não concordam com leis [que promovem mulheres na política], elas de fato concorrem e, por vezes, vencem. E nossa experiência diz quanto mais mulheres disputam e ganham, há mais mulheres da classe trabalhadora, jovens, negras ou que têm experiências profissionais diversas, como especialistas em computação, por exemplo. Vemos uma grande diversidade nas mulheres eleitas e muito poucas são de extrema direita. E elas podem dizer o que quiserem, podem discordar. Ser uma república é sobre isso. Além disso, tanto homens quanto mulheres têm se convencido de que será melhor se forem eleitas mais pessoas que pensam e agem como eles.

O Tribunal Superior Eleitoral criou um comitê de gênero neste ano, após uma recomendação da OEA. Há iniciativas similares em outros países? Elas têm resultados positivos?

Temos muitas iniciativas diferentes. Há organizações que ajudam as mulheres a desenvolverem habilidades de liderança. Acho que essas ações são muito boas. Nos Estados Unidos, houve um aumento dramático no número de mulheres que entrou nesse tipo de organização nos últimos anos. Elas triplicaram. Tivemos o movimento Me Too e a eleição presidencial em que esperávamos a vitória de uma mulher e ficamos chocadas quando isso não aconteceu. E na minha experiência, coisa boas surgem quando começamos a prestar atenção ao que acontece quando essas mulheres começam a vencer.

Fonte: https://www.huffpostbrasil.com/

A taxa de desocupação ficou em 11,6% entre os meses de agosto e outubro deste ano, atingindo 12,4 milhões de pessoas, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), divulgada hoje pelo IBGE. Apesar de redução de 0,2 ponto percentual (p.p.) em relação ao trimestre que vai de maio a julho, quando registrou 11,8%, o IBGE considera que houve estabilidade.

Por outro lado, a taxa de subutilização da força de trabalho foi 0,8 p.p. menor que no trimestre móvel anterior, passando de 24,6% para 23,8%, o que representa quase um milhão de pessoas a menos. Mesmo assim, são 27,1 milhões de pessoas nessa condição.

A pesquisa mostrou também que o número de empregados sem carteira de trabalho assinada no setor privado chegou a 11,9 milhões de pessoas, novo recorde na série histórica, o que representa estabilidade em relação ao trimestre anterior e alta de 2,4% frente ao mesmo período de 2018. Outro recorde foi na quantidade de trabalhadores por conta própria, que chegaram a 24,4 milhões de pessoas, com estabilidade frente ao trimestre anterior e alta de 3,9% em relação ao mesmo trimestre do ano passado.

De acordo com a analista da pesquisa Adriana Beringuy, “a estabilidade da taxa de desocupação está relacionada a um crescimento menor da população ocupada no trimestre móvel encerrado em outubro”.

Após crescer 1,3% entre maio e julho, um acréscimo de 1,2 milhão de pessoas ocupadas, o aumento verificado no trimestre que vai de agosto a outubro foi de 0,5%, cerca de 470 mil pessoas a mais. Com isso, o contingente de ocupados passa de 93,6 milhões entre maio e julho para 94,1 milhões entre agosto e outubro.

Já a redução da taxa de subutilização da força de trabalho está relacionada, segundo Adriana, “a um maior número de pessoas trabalhando mais horas, o que diminui o contingente de trabalhadores subocupados por insuficiência de horas”, ou seja, aqueles que trabalham menos de 40 horas por semana, mas gostariam e estavam disponíveis para trabalhar mais.  

Esse contingente de subocupados diminuiu 4,5% em relação ao trimestre anterior, uma redução de 332 mil pessoas. O número de desalentados também caiu 4,5% em relação ao trimestre anterior, 217 mil pessoas a menos.

Rendimento fica estável, mas massa de rendimento real cresce 1,8%

O rendimento médio real habitualmente recebido em todos os trabalhos pelas pessoas ocupadas foi de R$ 2.317,00 no trimestre de agosto a outubro de 2019, registrando estabilidade frente ao trimestre de maio a julho de 2019 e também em relação ao mesmo trimestre do ano anterior.

A massa de rendimento real habitualmente recebido em todos os trabalhos pelas pessoas ocupadas foi estimada em R$ 212,8 bilhões.  Quando comparada ao trimestre móvel de maio a julho de 2019, cresceu 1,8%, ou seja, mais R$ 3,7 bilhões. É o primeiro aumento estatisticamente significativo desde o trimestre de agosto a outubro de 2017.

A analista da pesquisa explica que fatores como o aumento da população ocupada e a diminuição do número de pessoas subocupadas por insuficiência de horas podem contribuir para elevar essa massa de rendimento real.

Fonte: IBGE

Pela primeira vez, o Censo Agropecuário investigou a cor ou raça dos mais de 5 milhões de produtores agrícolas do país. Em 2017, 52,8% deles eram pretos ou pardos e 45,4% eram brancos, numa distribuição semelhante à da população do país, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua).

Outra semelhança é na desigualdade. Neste caso, ela se reflete na distribuição de área dos estabelecimentos agropecuários. Entre os produtores que dirigem propriedades com até cinco hectares, a população preta ou parda é maioria, com 65% contra 32,4% de brancos.

Conforme aumenta a área de produção, a proporção vai se invertendo: entre cinco e 50 hectares, a população branca é maioria, com 52,4% contra 46,3% de pretos ou pardos. Nos estabelecimentos agropecuários de 50 a mil hectares, 57,1% são dirigidos por produtores brancos, contra 41,5% de pretos ou pardos.

Nas grandes áreas, a disparidade se intensifica. Em estabelecimentos de mil a 10 mil hectares, há mais que o triplo de brancos (74,7%) face aos pretos ou pardos (23,8%). Na última faixa estabelecida pela pesquisa, de mais de 10 mil hectares, a proporção é de 79% contra 18,9%.

Comunidades quilombolas: resistência do laço entre negros e a terra

A relação do negro com a terra vai além do mero cultivo agrícola ou pecuário para sustento próprio. As comunidades quilombolas são grupos que têm o território como base não só econômica, mas de produção social e cultural de sua coletividade. São reconhecidos na Constituição de 1988 como portadores de direitos territoriais coletivos e fazem parte do conjunto dos povos e comunidades tradicionais. Os registros são regulamentados pela Fundação Palmares.

A Comunidade Remanescente de Quilombo do Ginete, em Barra da Estiva (BA), na Chapada Diamantina, é um desses lugares onde terra, cultura e economia convivem em harmonia. Por meio do Programa Brasil Quilombola, a comunidade conseguiu o reconhecimento, obtendo em 2016 o certificado oficial.

No local, dezenas de descendentes de africanos escravizados cultivam principalmente café, mas também banana. Por conta da declividade e da altitude do terreno, o Quilombo do Ginete ainda não conseguiu desenvolver outras culturas. Mas, com as técnicas tradicionais ensinadas pelas gerações anteriores, os quilombolas processam, torram e moem o próprio café que cultivam, para posterior comercialização.

É uma modalidade de sustento que vai além do dinheiro. “A gente sabe a importância de estar aqui. A gente se sente seguro de estar nesta terra. Sobreviver da agricultura simboliza a união e a tradição familiar. É uma história que a gente resguarda”, conta Gilmar Pereira Alves, secretário da associação e coordenador geral da comunidade.

 

Fonte: Agencia IBGE

 

Dois de cada dez trabalhadores com ensino superior estão em função de baixa qualificação

“Até agora, meu curso de ensino superior não serviu para nada.” A frase é de Dager Lameck, 28, que concluiu engenharia de produção na UFF (Universidade Federal Fluminense), em 2018, e está desempregado.

A história do engenheiro recém-formado simboliza a situação de milhões de profissionais brasileiros qualificados que foram empurrados para situações precárias no mercado de trabalho nos últimos anos de crise econômica.

“A gente pensa que se capacitou, realizou um sonho e que o próximo passo será conseguir um bom emprego. Mas esse passo, para mim, ainda não aconteceu”, afirma ele.

Segundo dados levantados pelo IBGE a pedido da Folha, a fatia da população com ensino superior completo que está desempregada, desalentada ou trabalhando menos horas do que gostaria saltou de 930 mil para quase 2,5 milhões entre o segundo trimestre de 2014 e o mesmo período deste ano.

Parte desse aumento se deveu à saudável expansão da parcela da população que conseguiu um diploma universitário no Brasil ao longo desse período de cinco anos.

Mas a fatia dos profissionais com ensino superior desocupados, desalentados ou subocupados por insuficiência de trabalho cresceu em ritmo muito mais rápido do que o universo de escolaridade que eles representam. Com isso, seu peso no grupo dos mais escolarizados dobrou, passando de 5% para 10% do total.

Os dados do instituto incluem tanto os trabalhadores com carteira assinada quanto aqueles que atuam informalmente.

Levantamento feito pela Folha, com foco apenas no mercado formal, descortina uma outra tendência de inserção precária dos profissionais qualificados no mundo do trabalho. Trata-se da busca de refúgio de muitos desses trabalhadores em postos que exigem menos anos de escolaridade e menos qualificação.

Entre 2013 e 2018, o mercado de trabalho formal absorveu quase 1,7 milhão de trabalhadores com diploma universitário. Desse total, 318 mil aceitaram vagas em uma das 50 ocupações que mais empregavam trabalhadores com ensino fundamental completo ou médio incompleto no início do período analisado.

Ou seja, pelo menos 2 de cada 10 novos contratos para profissionais com ensino superior no período caracterizaram um possível desperdício de capital humano, de acordo com a análise dos dados da Rais (Relação Anual de Informações Sociais).

Esse número, porém, deve ser ainda maior, pois o exercício feito pela reportagem analisou apenas as 50 carreiras mais típicas da mão de obra com menor escolaridade.

Fonte: Folha de S.Paulo

Na lista dessas ocupações estão auxiliar nos serviços de alimentação, operador de empilhadeira, cuidador de idosos, recepcionista de consultório médio, motorista de ônibus, frentista e faxineiro.

Diferentes modalidades de vendas são outro ramo no qual muitos brasileiros com faculdade completa têm atuado.

André Luís Matías do Santos, 29, formado em administração de empresas, tem trabalhado como vendedor da Stone Pagamentos.

“Eu sinto que tenho mais capacitação do que o demandado pela função. Sempre fui bom aluno, nunca perdi um ano, terminei um curso inglês junto com o colégio e tenho ensino superior”, diz ele, que também se formou na UFF.

Quando lhe foi perguntado como encara sua escolha de carreira hoje, André respondeu não ter se arrependido. “Gostei do que aprendi em disciplinas como psicologia, recursos humanos, e também de frequentar a universidade.”

Em relação ao futuro, no entanto, seu sentimento é de grande insegurança.

“Estou com a expectativa de crescer dentro da empresa. Com essa crise, me sinto inseguro de me mudar para outra cidade maior sem saber se encontrarei trabalho na minha área”, diz.

André e Dager são amigos. Além de terem cursado a mesma universidade pública, no mesmo campus —em Volta Redonda (RJ)—, cresceram em Paraíba do Sul, no interior do Rio de Janeiro. André ainda mora na cidade.

Assim como ele, Dager também chegou a trabalhar como vendedor. Pediu demissão porque teve a sinalização de que conseguiria um trabalho melhor, nessa mesma área, em São Paulo.

A oportunidade acabou não saindo e —com o apoio da família— ele se mudou para o Rio de Janeiro em busca de uma nova posição, seja em engenharia ou em outro campo.

“Tenho mandado diversos currículos, e está difícil conseguir até entrevista”, diz.

Quando lhe é perguntado se teria feito a mesma escolha de cursar engenharia de produção, Dager fica em silêncio por uns segundos e responde: “Não. Talvez tivesse feito um curso técnico”.

Os dados da Rais mostram que posições técnicas —em áreas como eletromecânica, instrumentação, manutenção de sistemas e de máquinas— absorveram grande quantidade de profissionais com ensino superior nos últimos anos.

Apesar da decepção por não terem conseguido uma inserção melhor no mercado, Dager e André não chegaram a sucumbir ao desalento, que caracteriza a desistência de buscar um emprego apesar da vontade de trabalhar.

A recessão seguida da recuperação mais lenta da história republicana do país levou muitos trabalhadores brasileiros a essa condição.

Segundo o IBGE, o desalento aumentou em todas as faixas de escolaridade, mas seu salto mais marcante —de 875% entre o segundo trimestre de 2014 e o mesmo período deste ano— se deu entre a população em idade de trabalhar com superior completo.

A analista de sistemas Rita Urquidi, 56, é um exemplo de profissional que desistiu —pelo menos, temporariamente— de se reinserir no mercado de trabalho.

“Coloquei meu currículo na internet, usei o LinkedIn, mas não fui chamada para nada”, diz ela, que foi demitida da empresa em que trabalhava no início da recessão, em 2014.

“Tentei de tudo, aí fui diminuindo [minhas exigências].”

Rita Urquidi- mulher branca, usando luvas de cozinha, avental e touca - em pé tirando formas do forno
Rita Urquidi, 56, é analista de sistemas por formação, mas desde 2014, quando perdeu o emprego, faz pão de mel e vende no bairro e na igreja que frequenta (Foto: Bruno Santos/Folhapress)

Moradora de São Paulo, Rita conta que chegou a tentar uma vaga em telemarketing, setor em que houve uma disparada na quantidade de profissionais com ensino superior completo nos últimos anos.

Em 2013, havia 8.593 operadores de telemarketing com diploma universitário contratados no mercado formal, segundo a Rais. Em 2018, esse número havia quadruplicado, atingindo 33.735.

Rita, porém, não teve sorte na área. Chegou a avançar em um processo seletivo, mas foi barrada na etapa final. “Acho que foi pela idade”, afirma.

Depois de um tempo, ela acabou desistindo de procurar emprego e foi atrás da aposentadoria. Conseguiu o benefício por tempo de serviço e, hoje, vende pães de mel para complementar a renda.

Em 2020, talvez a analista de sistemas volte a buscar emprego. Agora, no entanto, diz preferir cuidar da mãe, que está doente. Sobre o passado, Rita conta se arrepender de não ter feito cursos de especialização, caminho que se tornou mais difícil para ela no atual contexto de renda menor.

Para Cimar Azeredo, coordenador de trabalho e rendimento do IBGE, um efeito colateral da crise é que profissionais como ela deixam de acumular habilidade adquiridas pela prática do emprego ou por formação complementar.

“Isso vai ter repercussão [na economia] quando o mercado retomar a atividade. O nível [de qualificação] das pessoas pode ter se tornado insuficiente para ocupar certas vagas.”

QUEM TEM MENOS QUALIFICAÇÃO É EMPURRADO À INFORMALIDADE

Quando trabalhadores com curso superior ocupam vagas menos qualificadas, abre-se espaço para inúmeras distorções.

Segundo Cimar Azeredo, coordenador de trabalho e rendimento do IBGE, a situação de quem tem curso superior completo costuma não ser tão grave quanto a de trabalhadores menos qualificados, que tendem a ser empurrados para a informalidade.

A esquina das ruas Barão de Itapetininga e Dom José de Barros, na República (zona central), reúne trabalhadores a procura de vagas de emprego
A esquina das ruas Barão de Itapetininga e Dom José de Barros, na República (zona central), reúne trabalhadores a procura de vagas de emprego (Foto: Rivaldo Gomes/ Folhapress)

“Quem tem nível superior completo acaba tendo uma reserva [de dinheiro] ou vive em um domicílio em que as condições são melhores, o que permite que fiquem subutilizados ou desalentados”, diz.

Bruno Ottoni, pesquisador do Ibre/FGV e da consultoria IDados, concorda que o trabalhador menos qualificado é mais vulnerável. Uma evidência disso é que, embora tenha aumentado em todas as faixas de escolaridade, a taxa de desemprego de quem tem ensino fundamental completo é o dobro de quem tem ensino superior (13,9% contra 6,1%).

Porém, ressalta Ottoni, é importante analisar as duas situações separadamente porque ambas demandam atenção. “A população brasileira fez um enorme esforço para aumentar sua escolaridade média nos últimos anos e os dados mostram que parte dele tem surtido pouco efeito.”

O descasamento crescente entre qualificação e ocupação, diz ele, é sinal disso. Um levantamento do IDados, com números do IBGE, aponta a mesma tendência identificada pela Folha, na Rais.

O estudo da pesquisadora Ana Tereza Pires aponta que “o percentual de indivíduos com diploma de nível superior ocupando cargos de nível médio ou fundamental cresceu de 25% em 2014 para 29,5% em 2019”.

Para Ottoni, deveria haver iniciativas no Brasil, similares às existentes em outros países, que ofereçam sinalização sobre a demanda do mercado por diferentes carreiras.

Outra prática que ajudaria o país, diz Ottoni, seria o acompanhamento por parte das instituições de ensino superior do desempenho de seus ex-alunos no mercado.

“Eu me surpreendo que as universidades aqui não façam isso e que os pais e alunos não cobrem isso delas”, diz.

A maior compreensão sobre a dinâmica do mercado de trabalho se torna mais premente à medida que novas tecnologias abrem espaço para novas ocupações e ameaçam carreiras antigas.

Segundo especialistas, parte desse processo pode estar por trás do que vem ocorrendo com parcela dos profissionais mais qualificados no Brasil.

“O Brasil tem falta de trabalhadores em diversas áreas, que normalmente requerem altíssima qualificação. Por isso não significa que basta ter ensino superior para se enquadrar na categoria de profissionais qualificados”, diz Cosmo Donato, economista da LCA Consultores.

Para ele, o fato de que muitos profissionais com ensino superior estão fora do mercado de trabalho ou em profissões que exigem menor ocupação agrava a falta de oferta de talentos no país.

“Você está desperdiçando capital humano. Essas pessoas não têm condições de se manter em um processo de contínua capacitação para se adequar às novas realidades”, diz Donato.

O custo para o país no futuro, alerta ele, pode ser alto. “No médio e longo prazo, o estoque de mão de obra qualificada pode cair e acabar afetando o potencial de crescimento da economia”, afirma.

Fonte: Folha de SP

Levantamento mostra que, no ano que vem, número de vagas abertas nas empresas ou preenchidas por pessoas com qualificação abaixo da ideal chegará a 1,8 milhão

 

 

A multinacional brasileira de tecnologia CI&T vem tentando, sem sucesso, preencher 500 postos de trabalho para as unidades de Campinas e de Belo Horizonte, com salários que vão de R$ 9 mil a R$ 10 mil por mês. Em São Paulo, o aplicativo de entregas Rappi, que diz crescer 35% ao mês há dois anos, já aponta como seu principal desafio encontrar funcionários para sustentar essa expansão. Para especialistas, o “apagão” da mão de obra qualificada no Brasil chegou a um ponto que pode se tornar um fator limitador ao crescimento econômico.

 

Uma pesquisa feita pela empresa de recursos humanos Korn Ferry com executivos de empresas no País mostra que, no ano que vem, já haverá um déficit de 1,8 milhão de pessoas para vagas mais especializadas – considerando-se tanto as vagas abertas quanto as que vão ser preenchidas por empregados sem a qualificação considerada ideal. Esse número deve crescer a uma taxa de 12,4% ao ano, até alcançar 5,7 milhões de postos com funcionários sem competência ideal ou vagos até 2030.

 

 

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“O Brasil vive uma severa carência de mão de obra especializada”, diz Jean-Marc Laouchez, presidente do Korn Ferry Institute, responsável pelo estudo. Para ele, apesar de algumas iniciativas nessa área terem sido lançadas, “muito ainda precisa ser feito para o País alcançar seu potencial de crescimento”.

 

Enquanto os dados oficiais apontam para 12,5 milhões de desempregados e 38,8 milhões de trabalhadores na informalidade, o estudo indica que as empresas deixarão de faturar US$ 43,6 bilhões (cerca de R$ 183 bilhões) até o fim de 2020 justamente por não encontrarem mão de obra especializada para atuarem em áreas estratégicas do negócio, responsáveis pelo crescimento das empresas.

 

Com isso, fica difícil, por exemplo, conseguir novos contratos ou expandir produção, mesmo que a demanda cresça.

 

O principal desafio envolve cargos relacionados ao desenvolvimento digital e tecnológico das companhias. São profissões ainda pouco conhecidas, como segurança da informação, cientista de dados, analista de marketing digital e de desenvolvimento de produtos tecnológicos, onde a demanda supera em muito a oferta de profissionais. 

 

Fundada em Campinas em 1995, a empresa de soluções digitais CI&T, hoje com operações também nos EUA, na Europa e na Ásia, conta com 2,5 mil funcionários. No último trimestre, motivada por novos contratos no Brasil e no exterior, abriu um processo para 500 profissionais. Boa parte das vagas são para profissionais de nível pleno e sênior, com salários na casa dos R$ 9 mil a R$ 10 mil. “É sempre difícil encontrar profissionais nessa área, por isso o programa de salários e benefício tem de ser atraente”, diz Vanessa Togniolli, gerente sênior de desenvolvimento organizacional.

 

 

Mundo afora

O levantamento da Korn Ferry é global, feito com 115 mil empresas pelo mundo, sendo cem no Brasil. E o que os números apontam é que esse problema de falta de mão de obra especializada, principalmente nas tecnologias digitais, ocorre em todo o mundo. 

 

De acordo o relatório, empresários ou presidente de companhias estimam que, no mundo, a falta de pessoal especializado deve alcançar, até 2030, 85,2 milhões de vagas de trabalho.

 

Fonte: Estadão

 

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